Ficção: um torcedor da Ponte Preta bate papo com o presidente

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Vanderlei está atarantado. Dia corrido, atribulado. Véspera de jogo decisivo contra o Red Bull. Ele ama a Ponte Preta. Não quer ter o dissabor de encontrar-se no comando do clube em um rebaixamento.

O presságio não é bom. Ao lado dos companheiros de diretoria, contabiliza os prejuízo após a invasão da torcida. São muitas responsabilidades. Pressão enorme. O telefone celular toca. Uma. Duas. Três. Quatro vezes. Sem pensar, pega e atende. Não é mais seu costume. É adepto do Whatsapp. A urgência descarta comportamentos enraizados.

Não identifica o número. Fica confuso. Na dúvida, inicia a conversa:

-Alô, quem fala?

-Sou eu!

– Eu quem? – responde o dirigente já ressabiado pela voz desconhecida.

– Aquele que sustenta a Macaca– responde enigmaticamente.

Vanderlei refuta enrolações. Queria dispensar logo aquele diálogo imprevisto.

– Meu amigo, por favor, diga quem é e fale logo o que deseja. Tenho mais o que fazer. Aliás, muita coisa. Não vê que o estádio está aos pedaços?

– Eu sei. Você não acha que não sei o que acontece na minha casa?

– Sua casa?

– Ué, o majestoso não é a casa do torcedor pontepretano?

Vanderlei dá um passo atrás. Sai da rodinha de dirigentes. Queria uma conversa mais íntima.

– Eu te conheço? – indagou Vanderlei

– Sim, eu estou em todos os jogos, em todos os lugares, em todas as ocasiões. Não paro de pensar na Macaquinha. Sei mais da Ponte Preta do que da minha família, profissão, tudo.

-Ah, então estava no meio daqueles que fizeram esta confusão? – subiu o tom de voz o dirigente, ávido em arrancar a confissão.

-Não, não estava. Aliás, repudio todo e qualquer ato de violência. A letra do hino diz: Ponte Preta de paz, Ponte Preta de guerra. Sou da paz. Não quero guerra. Ninguém quer. Duro é que vocês não percebem…

– Como assim? Você tem noção desde que horas estou aqui? Imagina a pressão que eu e meus companheiros de diretoria somos submetidos? – esbravejou o dirigente, com o celular em punho, pronto para atirar na parede.

– Tudo errado, tudo errado. Não é isso meu caro. A fórmula é diferente. Será que você não percebe o óbvio?

– O que?

– No fundo, no fundo, ninguém que foi no estádio e cometeu esta atrocidade queria estar por ae. Na realidade, ninguém quer ir na cadeia porque cometeu um crime contra o amor da sua vida. Pare, pense. Eles queriam chamar a atenção. Eles querem ser ouvidos. Nós queremos ser ouvidos. Eles querem que você ame Ela como nós amamos. Incondicionalmente. Sem amarras, preconceitos.

– Ouvir? Ficou louco? O que falta? Quer algo melhor do que viabilizar cotas maiores de televisão, patrocinadores robustos e programas que criamos para aproximar o torcedor do clube? Você não entende nada de futebol…

– Ha ha ha…Calma, calma…Temos a mesma paixão entendeu. Só o foco é diferente. Não estamos na mesma sintonia…

– Como assim?

– Olha Vanderlei não conheço um torcedor que duvide de sua honestidade e do Sergio em relação a Ponte Preta. Nenhum. Zero. Isso é bom, legal, mas não é tudo. Você tem uma relação com a Ponte Preta como de uma mãe protetora com um filho. Existe amor e a obsessão de estabelecer limites. De incutir o medo, o temor em determinadas situações. Eu e milhares de torcedores, Vanderlei, vivemos o amor Eros. A atração fatal, irresistível, aquela que não mede esforços para agradar. Que se sacrifica por tudo e por todos.

-Você é louco. Não é assim que se faz.

– É assim, sim! – respondeu o torcedor, rápido em emendar sua explicação:

-Vanderlei entenda o sentido da frase: “Eu não gosto de futebol. Eu gosto é da Ponte Preta”. Sacou? Pouco me importa Food Truck, camisa amarela, arena novinha em folha ou rede reformada no Majestoso. Nosso desejo, nossa fissura é por ídolos…Idolos, Vanderlei! Gente que balance a rede, jogadores que comam grama pela Macaquinha do mesmo jeito que eu e outros se sacrificam para encontrar-se no Estádio. Que valorize cada real pago por mim para estar lá todas as quartas e domingos. Que entenda a arquibancada como extensão do meu corpo, do meu coração, da minha alma. Eu não durmo, como mal e rendo pessimamente no emprego por causa da Campanha no Paulistão e o desespero que pode ser no Brasileiro..

– E eu? Não estou para brincar, não. Está sendo injusto comigo – subiu o tom de voz Vanderlei, quase em tom imperial.

– Eu sei, eu sei. Para encurtar o papo, se eu te pedir algo você faz?

O pedido abrupto, fora de hora e sem sentido fez Vanderlei parar por um instante. Demorou e a resposta veio:

– O que foi?

– Cara, eu não quero que você seja presidente da Ponte Preta. Eu não quero que você encha os cofres da Ponte Preta. Nem quero testemunhar planos mirabolantes para a gente conquistar o título. Vanderlei nada disso terá valor sem você SENTIR a Ponte Preta. De entender o que corre no sangue de cada um. De absorver o choro, o sofrimento, a tensão, alegria e a força de cada um que senta naquela arquibancada…

O silêncio imperou no outro lado da linha. O interlocutor aproveitou a deixa:

– Eu assumo. Penso no titulo em cada minuto da minha vida. Só que esse título só terá valor com entrega, sentimento, solidariedade, paixão, amor. Algo muito além de planilhas,, calculadoras, arquivos em Excel, Power Point…Alô, ouviu?

-Sim – respondeu laconicamente Vanderlei

-Bem, eu fiz minha parte. Vou desligar porque minha bateria vai terminar. Boa sorte para nós amanhã contra o Red Bull, hein!?. Valeu presida!

Pensativo, focado e em passos lentos, Vanderlei caminhou até sua mesa, sentou de frente aos dirigentes. Olhar fixo por vários minutos, disparou:

– Gente,  me arranjem uma entrada de arquibancada?

– Por que?

– Amanhã Ela vai jogar. Eu também.

(Crônica escrita por Elias Aredes Junior)