Futebol vai muito além das quatro linhas. Por que a resistência em admitir algo tão simplório?

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Adeptos inconscientes da alienação e vítimas preferidas da manipulação por parte dos dirigentes consideram que este site deveria falar só de futebol. Nada de bastidores, nada de temas ligados a racismo, homofobia, preconceito contra minorias ou machismo. Só bola rolando. Outros acreditam que jornalistas devem bajular os seus ídolos. Nada de críticas ou reparos a sua conduta. A transmissão de um mundo de cor de rosa.

Nem preciso afirmar o quanto isso colabora para o atual estado do jornalismo esportivo brasileiro, em que o óbvio e o entretenimento reinam de maneira absoluta. Vou utilizar estas mal traçadas linhas para explicar algo mais comum do que água potável: o futebol vai  além das quatro linhas e quem se recusa a constatar algo tão banal é dotado de uma visão de vida distorcida.

Quando foi fundar o jornal Lance, em 1997, o empresário Walter de Mattos Júnior tinha em mente falar apenas de bola. Só bola rolando. Porque era esse o desejo do público o masculino. Um jornalista renomado aconselhou que fosse além. Sem uma visão crítica de bastidores e sem assuntos relevantes relacionados com o futebol, tal produto não decolaria. Ele aceitou a sugestão e a publicação é hoje com certeza uma referência no país.

O que dizer então da ESPN Brasil? Sob a gestão de José Trajano, firmou-se como paradigma de programas modernos, diferenciados e criativos. E que não falavam apenas de futebol. Exemplo disso era o “Brasil da Copa do Brasil”, em que repórteres como Helvídio Mattos demonstraram as características e a cultura do povo de cada cidade com times participantes na competição nacional.

Percebam como hoje existe uma reclamação implícita da qualidade do jornalismo esportivo praticado no Brasil e na Copa do Mundo. E nunca se falou tanto de futebol. Mesas redondas temos aos montes na TV a cabo e até uma rádio 24 horas temos para falar do tema.

Por que não contenta? Simples: porque falamos apenas de futebol e não saímos do óbvio e não exploramos as contradições humanas, inclusive dos ídolos. Contraditoriamente criticamos quem busca sair da zona de conforto. Vai entender…

Se o conselho alienante fosse seguido por décadas no Brasil, será que teríamos obras primas de Nelson Rodrigues, em suas crônicas pelo O Globo e outros jornais da época? Será que saberíamos a desenvoltura de José Lins de Rego? O que dizer de Eduardo Galeano, autor de “Futebol a Luz e a Sombra”, um clássico do gênero?

E o “Negro no Futebol Brasileiro”, de autoria de Mário Filho, e que é antes de tudo um tratado sociológico da formação de nosso povo? Poderia citar a cultura de João Saldanha, a versatilidade e a  capacidade de associação do futebol com o cotidiano de Ruy Carlos Ostermann. Querem mais? A biografia de Garrincha de autoria de Ruy Castro o que menos se fala é de futebol e sim como uma pessoa de talento descomunal não seguiu em frente devido ao alcoolismo.

No fundo, uma frase não deveria sair da nossa memória: aquele que só fala de futebol, no fundo nem de futebol entende. Duro, mas real.

(artigo escrito por Elias Aredes Junior)