Enoch Aredes. Brasileiro. Pontepretano. Alegria em forma de gente. Descanse em paz meu tio!

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O ritual era o mesmo. Nunca mudava. Você pegava um ônibus ou tirava o seu carro da garagem. O destino era o centro da cidade de Campinas. Tinha a missão de pagar uma conta, frequentar uma escola ou andar pelas ruas. O ponto final era uma banca pequena, aconchegante no Largo do Rosário.  Ali, um senhor negro, sorriso largo, memória prodigiosa e um bom humor contagiante lhe esperava. Seu nome: Enoch Aredes.

Nascido em Guarantã, criado em Fazenda, veio para Campinas em meados da década de 1960. Ao contrário dos irmãos, que enveredaram para as industrias ou para o comércio mais tradicional, Enoch apostou em uma banca de jornal. Gostava de gente. Ah! E como gostava! Parava para fazer o que tinha que fazer para bater papo, contar piadas e causos cujo seu tempero e imaginação deixavam todos inebriados. O epílogo era uma risada. Gostosa.

Tinha algumas paixões: Jesus Cristo e a Igreja Metodista, a Romilda, a esposa, o filho Enoch Junior, os irmãos, sobrinhos, parentes  e a Associação Atlética Ponte Preta. Por ela dedicou boa parte de seus dias. Quando seu filho nasceu, teve dificuldades para acompanhar o crescimento. Por que? Movia mundos e fundos para organizar caravanas e que por coincidência saiam do Largo do Rosário, em frente a sua banca. O destino era onde fosse necessário: Jundiaí, Bragança Paulista, Limeira, São Paulo. Não descartava nada.

Tinha atitude idêntica com a família. Quantas vezes no final do ano a expectativa em Guarantã era pela chegada do Enoch? Todas as vezes. Sua alegria era aguardada. Lembro que em determinado Reveillon na década de 1980, quando ninguém mais dava como certa sua presença, Enoch surgiu. Às 0h30 do dia primeiro de janeiro. Deu benção para minha avó, celebrou com seus irmãos e saiu pela madrugada nas casas dos parentes em Guarantã. Voltou para casa da minha avó as 05h30 e dormiu na sala. Acordou, almoçou, tomou banho e às 15h30 foi embora para Campinas. “A banca tem que abrir amanhã, dia 02”, foi o argumento irrefutável.

Foi ali naquela banca que aprendi muita coisa sobre futebol e a vida. Homens simples e dotados de uma sabedoria das ruas paravam ali e davam aulas. Aulas de povo. Meu tio, como anfitrião carismático, atraia diversas pessoas ao local. Neguitinho, Amadeu, Zuza, Papai Noel… Personagens que davam uma moldura bonita e humana a uma Campinas que não existe mais.

Brasil de Oliveira, um dos jornalistas esportivos mais famosos do interior paulista, por anos e anos não deixava de passar para pegar material na banca; Bambuzinho fazia sorteios e estabelecia que a entrega do prêmio era ali, na banca. Era uma Campinas diferente. Humana, generosa, calorosa e cheia de amor. Com alegria.

Hoje, dia 30 de agosto, sua trajetória na terra terminou. Meu coração e de toda família Aredes está dilacerado. Ao mesmo tempo, fico envergonhado de entrar em espiral de tristeza. Porque Enoch não tinha nada a ver com isso. Era alegria, otimismo, alto astral.

Está acolhido pelo pai celestial. Deixou saudades e um legado. Isso que importa. Descanse em paz, meu tio. Obrigado por tudo.

(artigo de autoria de Elias Aredes Junior)