Demorei a me posicionar porque queria esperar a poeira abaixar. Queria aproveitar o meu espaço no Só Derbi para repercutir um tema que criou celeuma na imprensa e entre os torcedores: a criação da Rádio 1900, veiculo de comunicação oficial da Ponte Preta. Nestes primeiros dias de funcionamento, alguns profissionais de imprensa torceram o nariz porque a emissora teve a prerrogativa de entrevistar com exclusividade o executivo de futebol, Gustavo Bueno e o técnico Jorginho. Alguns consideram ocorrer até uma atitude de censura.
Confesso que já pensei desta maneira, mas a evolução da comunicação me fez mudar meu conceito. De largada: a Ponte Preta tem todo o direito de ter uma rádio oficial para divulgar as suas informações. E entrevistar quem quiser. É ela quem paga o salário destes trabalhadores e deve tomar a atitude que melhor lhe convém. Agora, ter a prerrogativa de informar em primeira mão é bem diferente de censura. E se liberar estes personagens para entrevistas com outros veículos, não vejo mal algum. Pelo contrário.
O que devemos discutir é o seguinte. Por que a Ponte Preta achou que era o momento de criar uma rádio oficial? Seria de bom grado retomar e pesquisar a própria história do jornalismo esportivo no Brasil.
Desde a década de 1940 nós tivemos duas escolas de jornalismo definidas. A primeira, criada e forjada por Mário Filho e seu Jornal dos Sports, no Rio de Janeiro, tinha o direcionamento de um jornalismo esportivo festivo, voltado ao entretenimento e quando usado para o mal, com relação promiscua entre as fontes. Leia-se Jabá. A outra vertente tem em São Paulo e no Rio Grande do Sul as suas principais matrizes. Crítico, independente, que cutuca a ferida e que não tem medo de investigar e denunciar os poderosos. Tal enfoque teve seu ápice na Revista Placar e no Jornal da Tarde, com reportagens memoráveis sobre os bastidores do futebol. E que muitas vezes não são nada nobres.
Desde que o futebol brasileiro foi privatizado, em 1987, a Rede Globo passou a financiar o futebol, a formação do torcedor foi voltada muito mais ao entretenimento e a falta de reflexão. É fato. O espírito critico foi cada vez mais sendo sufocado e que chega ao ponto de torcedores bradarem que jornalista A ou B querem tumultuar o clube. Uma bobagem sem tamanho.
Abre-se um caminho gigantesco para que os clubes de futebol façam produtos voltados para os torcedores. Ou o contingente daqueles que consideram o futebol uma grande brincadeira. Pura diversão.
O ouvinte que acompanhar a rádio 1900 vai querer uma rádio apaixonada, que se entregue de corpo e alma durante os jogos e que traga informações institucionais. Nenhum problema. Porque o jornalismo além da informação também traz a análise, o bastidor que ninguém quer conta. E para isso existe um campo vasto.
Considero ser uma chance de ouro de separar o joio do trigo. Haverá boa adesão a rádio 1900, mas tenho convicção que em médio e longo prazo não faltarão o reconhecimento aos profissionais e emissoras que trabalham com um jornalismo critico, forte, independente e sem medo de cobrar os dirigentes, treinadores e jogadores. Sem camaradagem. Sem passar pano. Quem cumprir tal papel terá papel relevante na batalha da opinião pública. E asseguro: não dependerá de coletivas ou entrevistas para fazer o torcedor pensar.
Dou como justificativa algo ocorrido há 55 anos. A Grande Resenha Facit foi a melhor mesa redonda da história do jornalismo esportivo brasileiro. Armando Nogueira, Luiz Mendes, João Saldanha, Nelson Rodrigues e José Maria Scassa monopolizaram a audiência por anos e anos. Em de seus livros, Ruy Castro define o motivo do sucesso do programa e que pode ser aplicado aos dias de hoje: Eram homens inteligentes, cultos e que de quebra falavam de futebol.
Quando a inteligência prevalece, não há o que temer. Somente a celebrar. Que a Rádio 1900 cumpra o seu papel institucional e que, nós jornalistas esportivos campineiros, tenhamos a capacidade de corresponder as expectativas de quem deseja consumir um jornalismo puro e sagaz. Sem disfarces.
(Elias Aredes Junior)