Análise Especial: Guarani, Furia Independente e a lição não aprendida pelos dirigentes: ninguém faz sucesso sozinho

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Ninguém é melhor do que ninguém. Nenhuma pessoa tem o direito de olhar de cima para baixo o seu semelhante. No mundo ideal, as pessoas deveriam ser respeitadas por aquilo que elas são, não por aquilo que elas têm. Repito: é o mundo ideal, algo que no futebol flerta com a miragem.

O futebol é um claro sistema de castas. Dirigentes, empresários, técnicos e executivos de futebol estão no topo da cadeia alimentar.

Os jogadores, apesar de ganharem altos salários e sustentarem a estrutura são uma espécie de burguesia sem voz. São desdenhados e desprezados por aqueles que vestem de terno e gravata. E tem a ralé: os torcedores. Sim, no dia a dia de um clube de futebol, a torcida é considerado um adendo, um anexo, um personagem inconveniente que precisa ser aturado.

Não sou que digo.

São os fatos.

Quantos clubes ainda são resistentes a adoção da participação política do sócio torcedor? O que dizer então da dificuldade de adquirir um simples titulo patrimonial? Pois é. Esta é a dura realidade do futebol brasileiro.

Ah, esqueci das Torcidas Organizadas. Essas, apesar da clara colaboração que dão ao espetáculo não são tratadas com dignidade. São marginalizadas. E não me venham querer criminalizar as torcidas organizadas.

Aqui não há espaço para isso. Pelo menos aqui.

Torcidas Organizadas são como entidades da sociedade civil como os sindicatos e movimentos sociais. Cometem atos de violência? Concordo. Totalmente. Mas deve-se punir o CPF e não o CNPJ. Lógico que existem fatos lamentáveis que não foram devidamente punidos até hoje. Mas isso é fruto também dos problemas do sistema judiciário brasileiro. Que por outro lado faz o possivel para ser o mais celere e justo possível. Mas a República brasileira é um grande remendo. E aí não é culpa do Judiciário. E nem daqueles que são vitimas e esperam pela justa posição. 

Que ninguém se iluda: criminalizar a Torcida Organizada é também criminalizar a pobreza.

Fiz este gigante preambulo para tratar do Guarani e de sua principal torcida organizada principal, a Fúria Independente.

Que, nos últimos anos, esteve presente em praticamente todos os jogos do Alviverde. Bem, o fato é o seguinte: de acordo com a torcida, no dia 19 de março eles estiveram presentes no Brinco de Ouro para uma conversa agendada.

Preste atenção neste detalhe vital: se o diálogo foi agendado é que existia consentimento da nova e da atual diretoria em conversar com os torcedores.

Ao chegarem lá, os torcedores foram informados de que não existia novidade. A conversa seria em nova data. Marcaram a conversa para o dia 28. A torcida disse em comunicado que 30 torcedores seriam destacados para a conversa.

Observação: na versão dos torcedores, não ocorreu nenhuma objeção. A diretoria remarcou novamente para quarta-feira. No dia combinado, a diretoria informa que não iria receber os torcedores. Na sequência, a Polícia foi acionada para retirar os torcedores do clube.

Você pode alegar que transmito apenas a versão da torcida.

Ok, concordo. Até agora, não foi enviado nenhum esclarecimento por parte do Conselho de Administração.

Mesmo assim, como posso acreditar que a atual e a nova diretoria querem dialogar com o torcedor e a imprensa? A eleição foi realizada no começo do mês e desde então, os dirigentes estão fechados em um casulo. Não conversam ou dialogam com ninguém.

Mesmo a apresentação do técnico Bruno Pivetti foi cercado de pompa e circunstância e com uma dificuldade enorme para encaminhar perguntas aos dirigentes, sejam eles estatutários ou remunerados.Teve repórter que precisou pedir licença.

E para complementar existe algo que deve ser dito: só pode botar banca quem tem algo apresentar.

Esse grupo político, queiramos ou não está no Guarani desde 2014. Conseguiu o acesso na Série C? Verdadeiro. Foi campeão da Série A-2? Hiperverdade.

Mas isso não apaga o fato de que em seis participações na Série B, apenas em duas o time verdadeiramente brigou pelo acesso. Nas outras quatro oportunidades flertou com o rebaixamento. No Paulistão, nas ultimas duas edições o mesmo filme.

Enquanto isso, equipes como São Bernardo e Ituano crescem a olho vistos. E o Guarani? E esse Conselho de Administração? Querem um maracujá murcho e azedo como se fosse um fruto recém tirado do pé. Não é.

Penso que os atuais e futuros componentes do Conselho de Administração não estão ligados em um detalhe fundamental: o Guarani não é mais aquele clube com torcida de classe média ou classe alta que aguardava o time desempenhar um bom futebol nas décadas de 1970, 1980 e 1990 e só assim apareciam. Não são mais torcedores que ficam a beira da piscina para na sequência pegar a toalha, tomar uma ducha para sair das dependências do clube e sentar nas vitalicias para vibrar com os craques revelados em casa.

Isso acabou. Existe esse perfil mas não é maioria. A torcida do Guarani na atualidade tem um caráter genuinamente popular e dos bairros mais populares da cidade. É gente forjada no sofrimento, na decepção, nas feridas abertas por tanta incompetência, tanta vaidade, tanta falta de talento para administrar e que gerou 10 rebaixamentos.

É uma torcida que precisou suportar campanhas humilhantes nas Séries C do Brasileiro e A-2 do Paulista. É que foi fundamental e essencial para forjar o atual calendário disputado pelo Guarani na atualidade.

Os dirigentes queiram ou não, a Fúria Independente é fruto direto de toda essa saga, de todo esse martirio estampado non rosto de cada bugrino que senta na arquibancada. Então, o torcedor do Guarani sabe o valor e o que custou chegar a Série A-1 do Campeonato Paulista e Série B do Campeonato Brasileiro. Vocês, dirigentes, foram coadjuvantes neste processo.

O que a Fúria Independente deseja é o mesmo de qualquer torcedor bugrino: satisfação.

Explicação sobre aquilo que está sendo feito. Sem violência ou agressão. Apenas explicações. Porque o Guarani não pertence a sete pessoas ou aos 85 componentes do Conselho Deliberativo ou os integrantes do Conselho Fiscal. O Guarani é de todos. Dirigentes, aprendam: ninguém faz sucesso sozinho.

(Elias Aredes Junior com foto de Felipe Bazioti-Bugre Mídia)