Seu Justino torce pela Ponte Preta. Tem 99 anos. Na semana passada visitou o Majestoso. Não era uma visita qualquer. Revia o estádio que ajudou a construir e completou 70 anos. Bajulações, homenagens, tapinha nas costas de jogadores e todo o enredo de uma matéria adequada para o site oficial ou talhada e adequada a televisão. Dias depois, uma decisão da Justiça anula a assembleia de sócios realizada em 2009 e que determinou a autorização para a venda do estádio Moisés Lucarelli.
A mente voa. Tira da gaveta uma lembrança. Um filme. Seu nome: Aquarius. O filme realizado em 2016 e dirigido por Kleber Mendonça Filho conta a história de uma jornalista especializada em cultura, moradora no Recife e com apego ao seu apartamento. Local de lembranças doces. Um dia, sem notar viu-se sozinha no prédio. Todos os apartamentos foram vendidos. Estratégia de uma construtora, sequiosa em querer construir no lugar um prédio suntuoso a beira da orla pernambucana. Filhos e parentes apelam e a personagem, interpretada por Sônia Braga, é irredutível. Não vende o apartamento. O valor sentimental é incomensurável. Impossível definir.
Chama atenção as cenas entre a dona do apartamento e jovem dono da construtora interpretado por Humberto Carrão. De um lado, a emoção, o sentimento e a garra da mulher em apegar-se a algo com grande significado; do outro, a frieza, a ganância, o desespero do jovem em querer ver o cofre cada vez mais cheio.
Olho para fotos no site oficial e o filme tem ligação direta. Seu Justino caminha pelo estádio como se aquilo fosse um pedaço de sua vida. Seu coração vira uma extensão do gramado, das arquibancadas ou do vestiário. Aquilo é seu. Totalmente.
Enquanto isso, dirigentes sem pudor olham com um sorriso limitado, sem brilho. No fundo, no fundo, observam seu Justino com distanciamento. O estádio virou detalhe. O futuro é a Arena no Centro de Treinamento do Jardim Eulina. Nem que para isso seja necessário destroçar a alma, o sentimento e a paixão de milhares de torcedores pontepretanos espalhados pelo país.
Seu Justino não pode fazer nada. A Justiça sim. Ela por intermédio de uma sentença relembrou algo simples: nenhuma história pode ser assassinada. Especialmente quando é o símbolo de uma torcida apaixonada.
(análise feita por Elias Aredes Junior)