Análise Especial: nas Séries B, C e D da CBF, clubes são reféns do atraso e do poder e influência das federações

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Todos reclamam das agruras geradas pelo calendário do futebol brasileiro. Jogos em cima de jogos, qualidade técnica duvidosa e competições que provocam reflexão sobre sua utilidade.

Sim, falo dos Campeonatos Estaduais. Não tem o apelo de antigamente, retiram espaço das competições nacionais e, na prática, impedem o surgimento ou aprimoramento de boas ideias, como a Copa do Nordeste. Que deveria receber mais espaço no calendário nacional.

Ao colocar a lupa no estado de São Paulo, verifica-se que o dinheiro é o único fator que gera justificativa de existência e destaque do Paulistão.

Distribuir R$ 240 milhões para 16 clubes por uma competição de três meses é um negócio e tanto. Mesmo que seja a custa do padrão financeiro paupérrimo verificado nas Séries A-2, A-3 e Segundona.  Ou porque boa parte da bolada é embolsada pelos quatro gigantes (São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos). É uma reprodução da desigualdade de renda do Brasil real. Alguns, com tudo; muitos, com quase nada.

Chamo a atenção ao fato de que nem esta cadeia alimentar predatória está segura.

Se levarmos em conta as possibilidades de arrecadação na Série A nacional (bilheteria quando retornarmos em condições normais, marketing, direitos de televisão e streaming e patrocínios) basta um ato de coragem dos grandes clubes e tudo voa pelos ares.

Estica-se a competição nacional e fim de papo. Então, o que segura o quadro? Lógico, a influência e poder político das Federações, especialmente em São Paulo. Só que existe uma sub camada : a dependência dos clubes do interior paulista em relação a a verba do Paulistão. Uma corrente pesada e dura de se livrar.

Ponte Preta e Guarani vão disputar a Série B nacional. Botafogo, Ituano, Oeste, Norizontino e Mirassol estão na Série C; Ferroviária, Internacional de Limeira, Portuguesa, Santo André e  São Bento estão inseridos na Série D da CBF.

Os times de Campinas receberam  de R$ 6 milhões  a R$ 8 milhões para disputarem o Paulistão. Jogaram no máximo, 15 vezes, caso da Ponte Preta, envolvida no Troféu do Interior. O Guarani entrou em campo 13 vezes. Na Série B, os dois rivais vão receber 10 prestações de R$ 600 mil para entrarem em campo por 38 vezes. Repararam na diferença? Por cada jogo no Paulistão, a Macaca recebeu, no mínimo, R$ 400 mil, ao levar em conta um valor de cota de televisão de R$ 6 milhões. Na Série B, pelos mesmos R$ 6 milhões (líquidos) o valor por jogo é de R$ 157.894.

Para quem disputa as Séries C e D, o quadro é pior. Se por um lado, esses clubes (exceto a Portuguesa, inserida na Série A-2 do Paulistão) faturam uma bolada semelhante aos times campineiros por participarem da Série A-1 do Paulistão, nas Séries C e D da CBF, as verbas de televisão são escassas e diminutas. Ou seja, sem o Paulistão, a conta não fecha.

Resumo da ópera: estes clubes do interior paulista ficam presos e dependentes da Federação Paulista e de seu calendário.

Se isso acontece no principal estado do Brasil, imagine o Bangu, participante do Cariocão, cuja queda de receitas foi notória em 2021 e que agora vai disputar a Série D? Ou qualquer outro estado sem o apelo e a arrecadação gerada em São Paulo? O caos é logo ali.

Solução? Evidente que passa por um incremento de verbas para as outras divisões do futebol brasileiro (B,C e D), o que geraria um efeito virtuoso.

Provocaria uma nova visão desses clubes.

Seriam obrigados a enxergar a validade de priorizar as competições de âmbito nacional. Com a venda de direitos de televisão a valores robustos –principalmente na Série B- isso deixaria as Federações isoladas, sozinhas e com poder político reduzido. Ou extinto. Pense: se cada clube recebesse 20 milhões para disputar a Série B ou R$ 6 milhões pela Série C, será que o Estadual seria tão prioritário? Certeza que não.

Essa nova configuração de calendário seria o melhor dos mundos.

Campeonatos estaduais? Seriam disputados pelos clubes sem calendário nacional. O campeão e vice seriam integrantes da Série D do ano subsequente. Os torneios teriam uma razão de existir.

Teríamos um calendário dinâmico, racional, profissional e com possibilidade de gerarmos clubes e marcas fortes desde a quarta divisão nacional. Quem disse que as Federações desejam apostar nisso? E a CBF? Será que a entidade sonha com clubes médios e pequenos independentes e com tantas possibilidades de negócios?

Óbvio que não. Moral da história: somos reféns do atraso. Até quando, ninguém sabe.

(Elias Aredes Junior)