Em um quarto de hospital, quando tudo parece perdido, a Ponte Preta é o elo de amor e esperança

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Era começo da noite. Terminei meus afazeres profissionais e percorri ruas e avenidas de Campinas com o coração apertado. A visita estava programada há tempos. Meu tio Enoch, 81 anos, estava doente. Por anos e anos o proprietário de uma banca no Largo do Rosário agora batalhava pela vida. Situação delicada. Diagnóstico intrincado. Temia entrar nos corredores frios e impessoais do Hospital Beneficência Portuguesa e encarar um sinal tenebroso, sem nexo ou fim.

Nestas horas, a fé aparece. Conversa com Deus. Anda, aproxima-se do quarto e quer que o milagre seja operado sem o médico tocar a mão. É o nosso desespero, por vezes incapaz de ver o que está ao redor.

A angustia deu lugar a surpresa. Adentrei no quarto e vi meu tio disposto e bem humorado, capaz de suas tiradas e piadas infalíveis. O tratamento corria bem. Este não era o único motivo do seu sorriso.

Hospitais se constituem em semente de atos solidários. Amor, compaixão, leveza. Tudo ali, exposto sem filtros. Cenas que ficam na memória e no coração. Naquele início de noite de fevereiro meu tio estava feliz porque o destino lhe presenteou de modo doce. O seu companheiro de quarto não poderia ser melhor. Décio Cardoso é seu nome. Fazia um tratamento duro, invasivo e tinha passado por uma cirurgia. Palco preparado para amargura em conjuntura normal. Poderia ganhar um parceiro involuntário.

Nada disso. O que vi naqueles 45 minutos foram duas pessoas comungadas em torno de uma só expressão: Ponte Preta. Amargurados, tristes pelo atual momento no gramado e nos bastidores. Jamais sem esperança.

Os enfermeiros e médicos entravam e saíam daquele espaço exíguo e o diálogo entre os dois fluía pelo tempo. Parecia uma máquina do tempo colocada diante dos meus olhos: a conquista do título de 1969, as peripécias de Dicá e Roberto Pinto, os gols de Washington e Luis Fabiano, as vitórias épicas em dérbis, as caravanas que comoviam o interior paulista. Tantos fatos, feitos e emoções retratadas por duas pessoas distantes no convívio social diário, mas próximas agora por uma bandeira.

Uma bandeira talhada para lutar contra o racismo, um símbolo de integração entre os pobres, uma agremiação com o significado daquela Campinas que todos gostariam de ver: bonita, harmoniosa, agregadora e acolhedora.

A hora passou. O relógio corria como jato. Era hora de se despedir. Quase um mês depois desta visita, tanto Décio como meu tio Enoch estão em recuperação. Ao lado das pessoas que lhe amam.

Eles não sabem e nem desconfiam de fatos borbulhantes gerados na minha naquele quarto de hospital. Lamento não ter gravado cada minuto e segundo daquela visita. Por que eu sei que no fundo eu perdi uma prova do que é ser e viver pela Ponte Preta. Com amor. Sem amarras. Bálsamo para curar feridas e esperar por dias melhores.

(análise feita por Elias Aredes Junior)