No dia do seu aniversário, uma carta aberta do Brinco de Ouro ao torcedor do Guarani

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Olá?

Tudo bem?

Não estranhe meu acanhamento, minha timidez. Não fui feito para falar ou escrever. Fui erguido para abrigar seus sonhos. Acolher a sua tristeza nas frustrações. Ser o palco ideal para bandeiras, instrumentos e para demonstrar firmeza na hora em que uma bola chutada por deuses finitos balançam as redes. Sem você eu não existo. Não tenho sentido.

Comemoro, neste 31 de maio de 2018, 65 anos de existência. Tenho muita história para contar. Sou testemunha daquilo que você lê ou relê nos livros. Eu sou a própria história.

Nos meus braços feito de concreto, eu presenciei sua vibração de modo alucinado com a goleada sobre o Santos de Pelé. Épico! Gigantesco. Um quinteto de garotos trucidou a melhor equipe da terra. Eu não cabia de orgulho de ser o caminho, a trilha para uma felicidade infinita.

Eu queria mais. Muito mais. Passei as décadas de 1960 e 1970 abrigando times lutadores, guerreiros, determinados e a espera de algo tremendo, exponencial. Eu observava e sabia que o destino nos presentearia. Começou com Zé Duarte, lembra!? Gente simpática, ficou por aqui cinco anos e sabia poucos tratar seres humanos com empatia. Nunca reclamou de nada. Pelo contrário. Apostava que eu seria o trunfo principal. Que jamais deveria ser abandonado.

Ele estava certo. Vem 1978. O meu gramado viu a construção de algo inesquecível. Um banco de garotos atrevidos e ousados juntamente com um volante experiente e diferenciado e um técnico com sede de vencer atropelaram tudo que viam pela frente. Uma saga bíblica aconteceu. Derrubamos 11 golias em sequência. O Davi bíblico ganhou um reino. Eu te presentei com a eternidade. O instrumento? Para derrotar o último gigante, um garoto de 17 anos, sem medo de entrar na área e desferir o chute responsável pelo paraíso.

Tomei gosto pela coisa. Queria brincar de ser feliz. Fiquei viciado em vencer, em lhe proporcionar felicidade infinita. A conquista da Taça de Prata, os vices campeonatos brasileiros em 1986 e 1987. Eu me sentia predestinado ao olimpo. Ao verificar o nascimento de super heróis, prontos a exercerem os seus poderes diversos e sem temor do amanhã.

Tenho corredores e dependências que abrigaram craques, heróis anônimos. Sou de concreto e abrigo a sua felicidade.

Eu só não contava virar espaço do mal, da vaidade e da luta fraticida pelo poder. Com o passar dos anos, eu vivi aquilo que de pior pode acontecer: o esquecimento. Desprezaram meu passado, minhas glórias e focaram apenas na atualidade. Enquanto eles sorriam e se regozijavam por negociatas e o bolso cheio de dinheiro, eu nem precisava da chuva para produzir lágrimas. O seu choro, o seu sofrimento, a cada rebaixamento e campanha humilhante me deixavam ciente do estrago feito no seu coração e na sua alma.

Sim, nos últimos anos tivemos alegrias. Voltei a exercer o meu papel. Subir para a Série B e conquistar a Série A-2 me fizeram crer no meu destino.

A felicidade infinita era substituída, em questão de horas, por uma tristeza profunda. Ao olhar a lua, a festa que vinha das avenidas desta cidade que me acolheu, eu me angustiava em silêncio. Porque sei que meu tempo está prestes a encerrar.

Um dia, tratores, explosivos e homens associados ao progresso vão me destruir. Eu vou morrer para que sua paixão permaneça. Eu vou desaparecer para que uma camisa potente e cheia de força tenha esperança de incomodar os poderosos.

Não sei se vai dar certo. Porque assim como a vida, o futebol e o dérbi, a surpresa faz parte do roteiro. Minha alma, meus sentimentos estarão espalhados. Torcendo por vocês e crendo na redenção.

Enquanto esse dia não chega, saiba: eu estarei aqui, para o que der e vier. Porque assim como diz o meu nome, eu sou uma jóoa adornada pelo ouro da esperança.

Sejam felizes. Até a próxima

Com amor,

Brinco de Ouro de Princesa

6 Comentários

  1. Texto maravilhoso, histórico, fiquei emocionado por ter vivido alguns desses momentos. Acrescento a final do paulistão de 88 e o jogo da seleção brasileira em 90

  2. Acompanhei tudo desde 1970.

    Na final de 1978, estava no Estádio sentado no meio do campo.

    Quando abriram os portões, entrei.

  3. Belo texto. Me fez recordar de fato, o gol do Careca na final contra o Palmeiras, que valeu a conquista do título de Campeão Brasileiro de 1978. Fui testemunha desse fato histórico do bugre. Sai de Uberlândia na época para ocupar um lugar na arquibancada do lado das piscinas, hoje ampliada. Triste é a parte que trata do fim desse templo de glórias do Guarani.