Gosto e aprecio palavras e expressões. Servem para definirmos situações e quadros vividos na sociedade. Admiro quem adota um posicionamento político. Sobre qualquer assunto. Assim como admiro a coragem de quem é militante. Abraça uma causa e defende sem cessar a melhoria de determinada área.
Quem gosta e aprecia a bola rolando deveria abraçar o futebol feminino.
Sem cessar.
Mulheres podem e devem jogar futebol. Utilizar o potencial deste setor para construir uma indústria de entretenimento ao redor de si. E com salários justos. Uma parte deste cenário ideal só foi possível nesta nova realidade em virtude da pressão exercida por homens e mulheres .
Sem a militância e o posicionamento político não teríamos a evolução do formato do Campeonato Brasileiro, a viabilização das novas condições de trabalho do Departamento de Futebol Feminino na CBF e a chegada de Pia Sundhage para dirigir a Seleção Brasileira que disputará a próxima edição da Copa do Mundo.
Ouso dizer: essa mobilização, esse espiral de reivindicação foi fundamental para a ampliação do espaço de narradoras e comentaristas na televisão aberta e por assinatura. Uma ótima notícia. Um antídoto contra o machismo que existe em cada um de nós, homens. E que precisa ser desconstruído. Todos os dias.
Tal patrimônio merece ser celebrado. Isso, no entanto, não autoriza a instalação de uma fábrica de esquecimento em relação aos que participaram do processo de construção do futebol feminino no Brasil.
Apagar a participação de quem esteve na linha de frente no passado é um erro que resvala na crueldade. Cito quatro nomes: Zé Duarte, Renê Simões, Jorge Barcelos e Oswaldo Alvarez, o Vadão.
Sabe aquelas reportagens que desnudam (com razão!) o sofrimento e a falta de condições de trabalho das meninas nas décadas de 1990 e início do Século 21? Pois é. Nessas ocasiões, existia um técnico, um comandante, que vivia aqueles dissabores e que buscava forças para aplicar o seu método de trabalho. Dentro de suas limitações, eles deram motivação às meninas para superarem os obstáculos.
Zé Duarte consagrou-se como técnico de futebol masculino e assumiu a Seleção Brasileira em 1995. Entre idas e vindas, ajudou o time a conquistar resultados importantes nas nas olimpíadas de Atlanta e Sidney. René Simões assumiu a equipe para as Olimpíadas de Atenas, em 2004. Introduziu métodos para fortalecer as jogadoras no aspecto psicológico e conquistou a medalha de prata, resultado repetido por Jorge Barcellos em 2008.
Simões e Barcelos chegaram no pódio em uma competição dificílima.
Porque são esquecidos?
O que explica que eles desapareçam nas reportagens e análises feitas antes do Mundial? Queria entender. Juro. Sim, porque sem revisar o passado não há como entender o presente e vislumbrar o futuro.
Outro tratamento negativo inexplicável é com a memória de Oswaldo Alvarez, o Vadão. Ele assumiu a equipe em 2014 e convenceu a CBF a bancar uma Seleção Permanente. Um ano de treinamento contínuo e o quarto lugar nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. Foi satisfatório? Não, não foi. Evidente que todos queriam a medalha. Mas ele deu o seu melhor.
Vadão saiu, voltou e foi o técnico do Brasil no Mundial de 2019, na França. Hoje, parece um pecado citar o nome do técnico falecido em maio de 2020.
Por que?
Qual o motivo?
O processo ao qual é submetido Vadão, guardada as devidas proporções e conjuntura, foi encarado por décadas e décadas por Moacir Barbosa. Condenado sem direito a defesa. Exagero? Basta um pouco de visão para perceber o contexto.
Torço para que a Seleção Brasileira de Futebol Feminino faça uma ótima Copa do Mundo. Que Marta encante e desequilibre com seu talento. Que ocorra a aparição em uma final. Seria um justo prêmio para todos aqueles que atuam em um setor que é o espelho do machismo na nossa sociedade. Precisamos também fazer as pazes com o passado. E jamais esquecer ninguém. Assim, vamos construir o futuro que sonhamos.
(Elias Aredes Junior- Com foto de Laís Torres-CBF)