Guarani: quando um rebaixamento acontece, uma alma de criança é dilacerada. Quem repara?

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Tive contato com a seguinte história. Todo domingo era assim. O Zé, André e o Alexandre percorriam a rua Itagiba e a Clara Camarão no Jardim Amazonas com uma única pergunta na boca: “Vamos ao jogo?”.

Era a senha para a instalação de uma romaria em diversas casas naquele bairro de classe média baixa de Campinas. Filhos, sobrinhos ou netos apelavam aos mais velhos. Pedido simples: um dinheiro para passagem e o ingresso. Barganhas, negociação e o suado dinheiro na mão. Felicidade plena.

A galera descia a rua, subia outro trecho e chegava ao ponto de ônibus. Era o tempo do número 6.14. Ou Jardim Amazonas da Rápido Luxo Campinas. Todo mundo se acomodava e logo na primeira parada apareciam outras figuras: o Fabiano, Cristiano, o Julio, o André. Em alguns jogos chegava a 50 pessoas a caravana do Jardim Amazonas.

Descida no ponto próximo a Ângelo Simões e a caminhada a pé ao Brinco de Ouro. Alguns com rádio de pilha colados no ouvido. Rádio Bandeirantes, Central, Cultura…Os olhos estavam de olho naquele gigante de concreto armado. Imponente.

Valia a pena enfrentar a fila. Ainda mais sentar no tobogã. Sol escaldante, água escassa, muitos sem camisa, o bandeirão que cobria toda a arquibancada. Eis que de repente entrava a equipe. Escalações decoradas. Na ponta da língua.

Jogadores? Podia ser o Boiadeiro, João Paulo, Barbieri, Evair ou o Paulo Isidoro. Talvez a luta de Valmir, a superação do volante Fernando ou o talento de Amoroso, Luizão e Djalminha. Gols. Vitórias. Êxtase.

As pessoas não voltavam para casa em celebração. Elas sonhavam. Reprisavam na mente as jogadas, os dribles, aqueles instantes que quebravam uma rotina permeada por esforço, sofrimento, desemprego, salário baixo, questões familiares ou algo que parecia insolúvel aos olhos divinos. Aqueles homens, de camisa verde e short branco, aliviavam a alma de quem não tinha motivo para sorrir.

O futebol bugrino era sinônimo de orgulho. De prazer inesgotável. Só o campo prevalecia. O gramado falava. Todos eram felizes.

Tudo foi quebrado a partir de 1999. De repente, homens de terno e gravata viravam protagonistas e inventores de um clube centenário, criado a partir do sonho e do desejo de 12 garotos que só queriam bola. Os homens que adentravam ao Século 21 queriam mais. Queriam ser o centro das atenções.

Nomes? Podia ser o Marcelo, Álvaro, Leonel, Horley, Palmeron. Tanto faz. O procedimento era sempre o mesmo.

Interessante é apostarmos que a ineficiência nunca será superada. Quem erra, estabelece um patamar que não pode ser atingido.

O ano de 2024 comprovou que a teoria está errada.

Componentes do Conselho de Administração e uma pessoa colocada no cargo de CEO erraram tanto que eliminaram a única característica que restava ao torcedor bugrino: dignidade. Ser rebaixado na lanterna é humilhação. Uma ferida na alma que vai demorar a cicatrizar. Algo que fica mais latente quando se verifica o bugrino dilacerado na dor e solitário. Sim, porque os dirigentes de antigamente pelo menos tinham a dignidade de aparecer e de se explicar. Eles sabiam que também era um acerto de contas com a alma de menino bugrino que existia de dentro deles. Um pedido de desculpas que não era apenas direcionado ao torcedor. Eram para eles próprios.

Hoje, o torcedor bugrino está arrasado não só pelo rebaixamento. Ele está inconformado porque utilizaram o rebaixamento para matar dentro de cada bugrino, a alma de menino e de menina existente dentro de cada homem e cada mulher que senta na arquibancada. Aquela chama que lhe faz abrir um sorriso em um gol ou uma conquista.

Os componentes do CA e o ex-CEO foram além dos erros administrativos. Eles mataram a esperança. Eles machucaram o coração e o sentimento de todos que senta na arquibancada. E que tem o desejo de voltar a ser criança a cada 90 minutos no Brinco de Ouro ou em cada estádio do Brasil.

Hoje, quarta-feira, dia 13 de novembro, cada torcedor do Guarani dorme com a alma ferida. Ele sabe que o futebol sempre dá uma chance para regeneração. O que não dá é aceitar é que quem sentou nas sete (ou oito) cadeiras não tenham  a dimensão do estrago feito em mentes e corações que vestem verde e branco. Na avaliação humano, é difícil encontrar perdão. Que Deus tenha misericórdia deles.

(Elias Aredes Junior-com foto de Raphael Silvestre-Guarani F.C)