São mais de duas horas da manhã. Poderia estar em sono profundo. A vida é dura. Não produz recompensa. No jornalismo esportivo, pior ainda. São 300 dias, 350 dias de decepções, xingamentos, insultos, ameaças, convivência com haters, dirigentes mal-educados, outros desleais. Em troca, uma recompensa ínfima.
Nosso ofício parece sem valor. Torcedores identificados se acham superiores a nós, profissionais que estudamos por quatro anos e ainda buscamos reciclagem para nos manter atualizados. Eles pensam que não precisam.
Tenho muitos amigos. Pois é. A faculdade de jornalismo da Puc-Campinas me deu mais do que conhecimento. Me deu amigos. Cada um em um canto do país em busca da sobrevivência. Um crava sem pestanejar: o mercado está sucateado. Difícil, inóspito. Concordo. Acrescento: em Campinas é pior. Muito pior. Não só pela parte técnica e sim pela convivência.
Na convivência social , o Jornalismo esportivo então, é a antessala do inferno. Não há reconhecimento. Novos talentos são impedidos. Nosso caráter é colocado em dúvida. Todos os dias. Apesar da busca desenfreada pela notícia, pela análise, ousam dizer que a gente pende para lado A ou B na parte política dos clubes. Ou quando elogiamos determinada pessoa colocam nosso caráter em dúvida. Dói. Arrebenta a alma. Precisamos seguir em frente. Lutar. Batalhar.
Tenho consciência: o jornalismo esportivo em Campinas não me quer. No máximo, me atura. Coleguinhas de profissão não me querem. Aliás, me evitam. E antes que você, hater babaca de rede social venha criticar e dizer algo, eu digo: vivemos em uma época em que aqueles que tentam fazer o bem são isolados e destroçados.
Reconheço a indigestão do pacote para alguns: negro, periférico, estudei com sacrifício e me formei e renunciei a muita coisa. Nunca fui de patota. Nunca fui de turma. Minha presença nunca foi bem-vinda. Cravo sem medo de errar: para uma boa parte dos integrantes da imprensa esportiva de Campinas, formada em sua maioria por homens, brancos e héteros (e aqui não vai critica, é uma constatação) talvez o meu lugar fosse em empregos subalternos. Ou desempenhar o papel de bobo da corte. Jornalismo? Levar a sério a profissão? Nunca, jamais. Na visão deles, não é para o meu destino. Eles sim, podem falar, escrever e analisar. E muitos dirigentes concordam. Aliás, acham que jornalista tem que ser aliado do clube. Ou da cidade.
Já tentaram me derrubar. Demissão por telefone. Tentativa de assassinato de reputação. Mesmo ferido e derrubado, estou de pé. Graças a Deus, pouquíssimos amigos e família.
Se você chegou até aqui, você deve perguntar: se é tão ruim e desgastante, por que não desiste? O que faz você continuar?
Tudo resumido em dois nomes: Ester e Elias. Meus pais. Perdi os dois em setembro de 2011. Diferença de uma semana. Meu pai foi a pessoa mais honesta que conheci. Não existia meio-termo. Sim ou não. Pagou um alto preço. Tinha um círculo restrito de amigos. Minha mãe entregou sua vida para formar dois filhos. Trabalhava em dois empregos para pagar duas faculdades. Época sem Prouni e outros mecanismos. Vencemos. Eu jornalista e minha irmã nutricionista. Eu não tenho direito de desistir. Simultaneamente eu penso e fico atordoado ao ver profissionais da imprensa, em Campinas e todos os cantos do país que jogam sua dignidade profissional, se aliam ao poder por um naco de atenção e elogio. Penso: essas pessoas não têm pai? Não tem mãe? Não se importam com o legado deles? Eu não entendo.
É tempo de natal. Nascimento de Jesus. Juro, que o presente que desejaria receber seria um jornalismo esportivo campineiro e brasileiro sem vaidades, prepotência e que existisse uma abertura ao novo. Que o torcedor se sentisse representado. Que não fosse um ambiente tóxico. Que não tivesse resistência ao novo. Que as amizades e o congraçamento não fosse apenas aquilo que se vê quando as transmissões estão no ar. Que fosse de verdade.
Enquanto isso, não acontece, a gente sobrevive como pode. E você leitor, ouvinte, internauta que incentiva meu trabalho eu juro que desejaria só um fato e que não pode mais acontecer. Que minha mãe estivesse aqui. Se ela estivesse viva, certamente percorreria cada rua, avenida ou arquibancada do Brinco de Ouro e do Majestoso para dizer uma única frase ao lado do velho: “Obrigado por ouvir e acompanhar meu filho”. Dez pessoas? 100? 1000? Pouco importa. Ela receberia um agradecimento de volta e saberia que sacrifício dela valeu a pena.
Feliz Natal.
(Artigo escrito por Elias Aredes Junior)