Ensaio Especial: Neymar e a construção de ídolos em Copas do Mundo

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Neymar é seguido por todos os cantos. Fotos em sites e jornais. Reportagens infinitas na televisão. Bastaram 90 minutos contra a Suíça para dividir as atenções. A idolatria continua forte. Outros não tem pudor em demonstrar desprezo.

O pai do jogador, invariavelmente, surge nas resenhas esportivas, assim como as postagens do atleta nas redes sociais. Seria o caso de refletir os motivos que levam a essa divisão. Por que Neymar é amado e odiado em igual intensidade? O que leva a principal esperança brasileira na Copa do Mundo na Rússia ser envolta em um mar de desconfiança?

LEÔNIDAS, O PIONEIRO

É preciso fazer uma revisita ao passado, conhecer como os mitos eram construídos. Nas décadas de 1930 e 1940, Leonidas da Silva monopolizou as atenções na Copa de 1938 e teve seus feitos reverberados apenas pelos jornais e por pouquíssimas transmissões feitas por rádio.

deus no São Paulo e na Seleção Brasileira, Leônidas fez história

Independente disso, em solo brasileiro, o atleta colheu os louros. Protagonizou comercial de chocolate (Diamante Negro) e sua estreia no São Paulo atraiu uma multidão ao estádio do Pacaembu.

Sua força, no entanto, não era ignorada. Relatos históricos afirmam que sua chegada de trem foi uma epopeia sem presentes em 1942, quando chegou ao São Paulo.

PELÉ: O MITO PROPAGADO

Edson Arantes do Nascimento, por sua vez, o Rei Pelé, fez história no Santos. Virou Rei do Futebol, disputou quatro Copas do Mundo e ganhou três. Anotou mais de 1283 gols e teve um aliado poderoso, mesmo em estado incipiente: a televisão. No seu apogeu, entre 1958 e 1970, São Paulo era o centro televisivo do Brasil, em que a Record dava as cartas e TV Bandeirantes, apesar de pequena e em início de atividades em 1967, já dava uma atenção ao futebol.

Resultado: só o DVD Pelé Eterno tem 400 gols arquivados, graças aos arquivos de televisões no Brasil, na Europa e Canal 100. Tal acervo colaborou e muito para propagar o mito. E com a devida blindagem.

Em uma época sem redes sociais e internet, bastava contatos com os veículos de comunicação para que o fluxo de informação ao público fosse bloqueado.

O maior de todos os tempos teve suas façanhas eternizadas pela televisão

Prova disso é que no casamento de Pelé com Rose, em 1966, jornalistas chegaram a flagrar uma mulher que protestava por estar de um filho do Rei do Futebol. Assessoria em campo e tudo fechado. Anos depois, tomamos conhecimento de quem era Sandra, uma das filhas do cidadão Edson Arantes do Nascimento.

Só para reforçar: Pelé é o maior de todos os tempos. A incipiente mídia televisiva só ajudou a eternizar a lenda.

SELEÇÃO DE 1982: O FINAL FELIZ QUE NÃO ACONTECEU

Como é lenda a Seleção de 1982. Sócrates, Zico, Junior, Falcão e Toninho Cerezo assombraram os campos espanhóis. Fizeram o Brasil chorar com a derrota para a Itália.

Inconformismo que perdura até hoje. Por aquilo que foi jogado em campo é óbvio que a tristeza é justificada. Mas a imagem formada em cima daqueles atletas ajudou  a criar um laço afetivo entre torcedores e atletas.

Sócrates foi um dos jogadores que melhor souberam cativar a massa por intermédio de seus discursos. Tinha entrevistas em que misturava as expectativas para o jogo com suas preocupações sociais. Impossível não chamar atenção.

Futebol de sonhos dentro do campo e imagem irretocável fora do gramado. Esta era a Seleção de 1982

Zico por sua vez, vivia a melhor fase técnica da carreira. Campeão Brasileiro, da Libertadores e Mundial pelo Flamengo. Tudo com cobertura maciça da Rede Globo, que na época que monopolizava audiência e formulava ícones.

O cidadão Artur Antunes Coimbra combinava tudo: educado, família estável e futebol de alta qualidade.

Para completar, Paulo Roberto Falcão.O volante, outrora tricampeão brasileiro pelo Internacional de Porto Alegre na época foi vendido pelos próprios meios de comunicação como um reforço como se fosse de outra galáxia.

Afinal, era um dos únicos que atuava no continente europeu, conhecia os adversários e demonstrava uma elegância ímpar. Junte esses ícones formulados (o politizado, o pai de família, o cidadão do mundo) e junte com um treinador que defendia os conceitos de futebol arte e bem jogado. A dor gerada foi incomensurável. A perfeição tinha sido derrotada.

ROMÁRIO E RONALDO: UMA DUPLA DO BARULHO

O tempo passou, o Brasil teve outras decepções e dois personagens souberam como poucos catalisar e utilizar os meios de comunicação com inteligência: Romário e Ronaldo.

Uma dupla que soube como ninguém utilizar a mídia em seu favor

Romário foi campeão em 1994 e utilizava como poucos o rádio, televisão e jornal para vender-se como protagonista. “Se o Brasil não ganhar não ganhar a Copa do Mundo, a culpa será minha”. Foi a frase capaz de fazer o torcedor acompanhar aquela copa dos Estados Unidos como se fosse uma novela, em que o mocinho era marrento e os vilões eram a imprensa que “torcia contra”, a mesma que ajudava a propagar as mensagens de Romário.

E que tinha uma aliada: Manuela Ladislau Faria, a Dona Lita, que a cada jogo do Brasil atirava garrafas de cerveja ao chão para comemorar um gol do Brasil ao lado de parentes e amigos residentes no subúrbio do Rio de Janeiro. Mais brasileiro, impossível.

O titulo só serviu para eternizar o Romário marrento, briguento, convencido, mas popular e intimo da massa.

Nesta construção de imagem junto ao inconsciente coletivo com futebol dentro do campo ninguém supera Ronaldo Nazário.

Desde a sua descoberta, em 1993, no Cruzeiro, Ronaldo soube como poucos mobilizar torcedores e formadores de opinião pública.

Teve como escudeiro Rodrigo Paiva, mais tarde assessor de imprensa da CBF e que foi capaz de criar uma estratégia para deixar o ex-atleta na mídia, mesmo quase dois anos afastados dos gramados em virtude de uma lesão no joelho.

Sua reaparição na Copa de 2002, após as confusões na final da França de 1998, construiu no imaginário popular uma história com começo, meio e o final com a taça sendo levantada no Japão.

Detalhe: a internet não continha as redes sociais e  controle sobre possíveis deslizes do atletas eram mais fáceis de serem administrados.

A ERA NEYMAR: O QUE ESPERAR? O QUE FICARÁ DE SUA IMAGEM?

As redes sociais são a “segunda casa” do craque brasileiro na Copa do Mundo de 2018

Queiramos ou não, desde 2014, vivemos a Era Neymar. Um personagem com diversas facetas. Existe o Neymar das Redes sociais, junto com os parças, as festas e comemorações. Existe um outro Neymar nas redes sociais, capaz de dialogar com fãs, torcedores e que detém distância regulamentar dos jornalistas.

E existe o Neymar do gramado. Que parecia no rumo de uma carreira bem construída com a aparição no Barcelona e que viveu a primeira frustração esportiva após a temporada regular do Paris Saint Germain.

Ao contrário dos outros personagens citados anteriormente, o Neymar midiático não protege o garoto com a bola no pé. O “Neymar virtual” seja por falha de assessoria ou por vontade do jogador não  transmite uma mensagem de maturidade, determinação e capaz de mobilizar o país em torno de um único objetivo. Compare Neymar e sua relação com o Brasil e Cristiano Ronaldo com Portugal e saberá do que falo.

Ninguém é louco de descartar o Brasil campeão. Nem Neymar como o principal jogador da Copa do Mundo. Mas a sua construção de imagem poderá transformá-lo em um rei feliz, milionário, mas distante do seu povo. Nada mais triste e prenúncio de um esquecimento futuro.

(análise de autoria de Elias Aredes Junior)