Uma reflexão sobre Ponte Preta, Guarani, seus torcedores e falta de avaliação sobre o valor da democracia e da liberdade de expressão

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Milhares de pessoas foram mortas nos porões da ditadura. Ativistas políticos tiveram suas vidas cerceadas porque exibiram ideias diferentes. Com conteúdo, começo, meio e fim. Todas as áreas da vida social foram afetadas e o futebol não ficou imune. Jogadores como Sócrates, Afonsinho, Cláudio Adão, Casagrande e Reinaldo foram combatidos e cerceados não por aquilo que jogavam e sim por aquilo que diziam.

No jornalismo esportivo brasileiro, em pleno Século 21, não é diferente. Juca Kfouri é combatido por sua postura independente, crítica e voltada a denunciar as mazelas do futebol, expediente que ele teve um mestre: João Saldanha. Uma figura que foi capaz até de dirigir a Seleção Brasileira e aproveitar as viagens ao exterior para denunciar os crimes cometidos pela ditadura.

Uma cidade presa ao passado

Não se engane: o futebol campineiro não escapou do vírus gerado na década de 1970.

Ponte Preta e Guarani e seus respectivos torcedores foram forjados em tempos de vitórias no campo e de repressão no pensamento. Ditadura total, geral e irrestrita. O período róseo no gramado não permitiu a troca de ideias, o fomento do debate e busca de novos modelos de gestão. Campinas está presa ao passado e aos seus jogadores que fizeram diferença. Entende que apenas aquela maneira de jogar e gerir futebol é a vitoriosa. Apenas o esquema de cobertura de imprensa daquele período era válido. Ou seja, só falar de bola rolando e nunca, salvo raras exceções, cobrar dirigentes, jogadores ou treinadores por seus atos errôneos. O diferente no futebol campineiro choca, incomoda, traz angústia. Faz com que torcedores percam a cabeça e o sentido da palavra democracia.

Quando um torcedor bugrino ou pontepretano renega o papel da imprensa ou coloca em dúvida o caráter de determinado profissional apenas porque ele ousa opinar fora da “caixinha” a mensagem é mais grave do que se imagina. Não, esqueça o discurso de que torcedor é passional, apaixonado e muda de opinião como muda de camisa. Envolve um aspecto , que é a de estar aliado a qualquer conceito de censura, controle da informação e cerceamento. A vitória virá pelo silêncio e opressão e nunca pela liberdade.

Ponte Preta: deuses ou seres humanos?

Vamos tocar nas feridas. Na Ponte Preta, o empresário Sérgio Carnielli e seu grupo político comandam o clube há 20 anos. Será que eles acertaram em 100% todas as medidas que adotaram? Não há equívocos?O que se vê é uma parte barulhenta da torcida da Ponte Preta com táticas de intimidação e até de insinuação de atos violentos para quem ousa questionar seja ao vivo ou nas redes sociais. Vale a pena? O que o clube ganhou com essa estratégia de avestruz e de não encarar os problemas de frente? O que ganha ao impedir que profissionais de imprensa possam exercer o jornalismo de modo pleno e competente? Sim, eu sei que o quadro mudou. Uma parte relevante da torcida da Ponte Preta que acompanha o seu time vibra e chora , mas é capaz de criticar, apontar os erros e exigir melhorias. Este grupo cerceador, que é minoria mas barulhento, mesmo que indiretamente, atrapalha a caminho para que a Macaca transforme-se em uma equipe de ponta do futebol brasileiro.

Colocar a incompetência para debaixo do tapete

No Guarani, o quadro não é de menor gravidade. Após a saída de Beto Zini (que cometeu erros, diga-se de passagem), uma administração atrás da outra tratou de arrebentar com o patrimônio do clube: José Luís Lourencetti, Leonel Martins de Oliveira, Marcelo Mingone, Álvaro Negrão, Horley Senna…Escolha seu malvado favorito e divirta-se.

A última participação simultânea do Alviverde na Série A do Brasileirão e na Série A-1 do Paulistão foi em 2004. Ou seja, 12 anos sem experimentar a sensação do que é encontrar-se na divisão principal das competições de ponta. Pense: 12 anos!

Em qualquer clube do planeta, as atenções da imprensa e da torcida estariam divididas. Uma parte no gramado e outra nos bastidores. Nada disso acontece no Guarani.

Hoje, o Guarani disputa a terceirona nacional e a Série A-2 do Paulistão. Um calendário sintomático dos erros reinantes nos últimos anos. Trampolim para a cobrança efetiva? Mudança de administração? Nada disso. Uma parte da torcida especializou-se em cercear, perseguir e defender a censura daqueles profissionais de imprensa e torcedores focados em denunciar os desmandos presentes no Estádio Brinco de Ouro. Não, não são torcedores ligados a grupos políticos. É simplesmente gente com a crença de que calar a boca de determinado profissional de imprensa ou “sumir” com a pauta do noticiário tudo voltará a ser colorido. Existe um tipo pior: aquele que além de alienado, defende que só ele pode falar de determinados temas do Guarani. O que não deixa de ser uma forma de censura.

Guarani e Ponte Preta, patrimônios da cidade. Que precisam de reflexão e não de bajulação

Ponte Preta e Guarani são patrimônios do futebol brasileiro. Revelaram diversos jogadores e treinadores. Uma parte relevante das duas torcidas reconhecem este portifólio e apostam na cobrança e no jornalismo crítico e independente para evoluir e produzir dividendos em curto, médio e longo prazo. Esses torcedores devem ser homenageados e reverenciados.

Até para se contrapor ao discurso de quem, ao invés de acumular argumento e conhecimento para participar do debate da opinião pública prefere a tática do porrete virtual para fechar a boca daqueles que eles elegem como inconvenientes. Miram mais na pessoa do que no argumento. São antidemocratas? Por enquanto prefiro considerar que são imaturos.

(análise feita por Elias Aredes Junior)