Quem é negro e alcança o topo no Brasil representa muitos. Centenas. Milhares. De certa forma é mostrar a sociedade de que bastam incentivo, determinação e disciplina e de que tudo é possível.
Roger Machado deu uma lição de história após o duelo entre Fluminense x Bahia. Explicou por A mais B que o racismo no Brasil é estrutural. Tem lastro histórico. Uma herança maldita que vai demorará séculos para ser reparada. No futebol, então, nem se fala.
Quando falam que Roger chegou ao olimpo por competência não é a verdade completa. Assim quando dizem que eu ou Julio Nascimento, jornalistas esportivos negros que atuam em Campinas temos um potencial exponencial e que por isso nosso lugar é natural e merecido. Fomos agraciados pelas bênçãos de Deus. Teve um custo, que é a de Negros talentosos ficarem pelo caminho. Não tiveram ajuda dos semelhantes e da sociedade, ávida em patrocinar uma educação pública sucateada.
Comentar ou relatar racismo particularmente para mim é doloroso. Muito. Tive um pai genial. Inteligentíssimo. Raciocínio veloz. Tinha o sonho de ser advogado. Não conseguiu. Primeiro precisou vencer a fome, criar filhos, arranjar dinheiro para sobrevivência. No Brasil, o negro não tem direito de sonhar. Só de viver. E contar com aquilo que lhe oferecem.
Imagino o que sente Roger Machado. Sente-se privilegiado. Não nas palavras e sim na prática. Mas está isolado em um ambiente dominado por brancos.
Roger, Marcão, eu, Julio Nascimento, Mauricio Camargo, Vagner Alves sentimos na pele fatos e atitudes que jamais serão vividos por homens e mulheres brancas, seja qual for a classe social.
A batida policial que lhe paralisa. O pedido do seu documento. A desconfiança. A tentativa nas redes sociais de lhe proibirem de abordar o assunto. Devemos nos resignar e pronto.
Fiquei identificado com a matéria de cada da Revista Piauí deste mês. Tema: o racismo no jornalismo. A autora é a jornalista recém-formada Yasmin Santos.
Sua abordagem é certeira. Nosso principal inimigo enquanto jornalistas e negros é a solidão. De olhar ao redor e sentir-se sozinho, desamparado, da falta de empatia por quem está ao seu lado e sequer imagina a sua história.
Trabalho há 20 anos no Sindicato dos Energéticos do Estado de São Paulo. Gosto de trabalhar aqui. E não entendia. Afinal, sou um produto do jornal impresso. Gosto e amo reportagem. A opinião. Mas jamais pensei em abandonar o jornalismo sindical. Faz-me bem.
Um dia, a ficha caiu. O presidente do Sindicato, Carlos Alberto Alves, é negro. O vice-presidente, Valdivino dos Anjos, também. No departamento financeiro, Eder Benício e Alex Vasconcelos são negros que saíram do extrato mais baixo e construíram dignidade e cidadanias. Um dos comandantes do departamento de aposentados, Adão Luiz Carlos é um negro que luta 24 horas contra a discriminação racial. O primeiro dirigente que me aprovou para exercer a função de jornalista na entidade, Wilson Marques de Almeida, também. Inevitável formar uma sensação de pertencimento, de inclusão, acolhimento. Sentimento que tenho hoje na Rádio Brasil. Alberto César, o comandante da Equipe Campeã compreendeu e entendeu o significado da nossa luta. Sem perceber, abriu as portas para que muitos negros pudessem exercer o seu talento. Não é pouco.
Nós, negros e familiares, caminhamos na atualidade amedrontados e doentes por um espiral de violência que atira contra negros sem lhe conceder a palavra. Dói. E como.
As palavras de Roger Machado soam como grito de alerta. Somos cidadãos e todos merecem espaço e distinção.
Meritocracia é válido quando todos indistintamente partem nesta corrida de sobrevivência em condições iguais. O Brasil está longe de oferecer tal cenário. Enquanto isso, só nos resta luta. Com a bola, prancheta, caneta. E tanto eu como Roger, Marcão, Julio Nascimento, Mauricio Camargo, Vagner Alves fazemos apenas um único pedido: respeitem a nossa dor e nos ajudem a buscar a cura. O Brasil agradece.
(Elias Aredes Junior)