O jornalismo por vezes é chamado para encarar grandes desafios. Jogos que não podem ser perdidos. A cobertura da morte de Diego Armando Maradona Franco é exemplar. O diagnóstico: fracassamos. De modo profundo.
Nós, profissionais da imprensa, produzimos um quadro bizarro: o jornalismo esportivo está preso a clichês e profissionais incapazes de analisar de modo profundo personagens complexos; do outro, repórteres e comentaristas de outras áreas demonstram uma artificialidade absurda quando o assunto é esporte. Perde o público, anunciantes, a sociedade.
Maradona não era um personagem qualquer. Seria farto material para que pudéssemos aprofundar as motivações de sua trajetória. O nascimento em um bairro pobre de Buenos Aires, o inicio no Argentino Juniors, as passagens por Boca Juniors, Barcelona, Napoli, os malabarismos para se relacionar com o governo militar argentino, a descoberta da consciência política a partir do governo Menem, o relacionamento com os governos Kirschner, Fidel Castro, Hugo Castro… Pare, pense. Olhe a infinidade de temas a serem explorados em patamar lúcido.
Outros jogadores milionários poderiam virar as costas e abraçar o status quo. Maradona não fez isso. Fez clara opção pelos necessitados. Pagou o preço.
Prova de sua combatividade foi sua postura em relação aos dirigentes da Fifa, especialmente João Havelange. Aponte-me um único jogador brasileiro que tenha tido tanta ousadia. Não encontrará.
Relacionou-se com a Máfia na Itália? É verdade? Por que? Quais as motivações? O que ficou de saldo naquela aventura? Qual o simbolismo de Maradona ao povo de Napoles? E os seus gols contra a Inglaterra na Copa de 1986? O simbolismo tem relação com a derrota do exercito argentino na Guerra das Malvinas? Isso foi trabalhado pelo próprio Maradona? De que forma? Seria pauta para programas, reportagens, reflexões. Nada disso foi feito nas emissoras de televisão e até pela maioria dos portais de internet.
Tudo pode piorar. Eis que o preconceito ficou espalhado após a recordação do relato de sua dependência química. Trataram não como uma doença e sim com os clichês dotados de um preconceito tacanho, vil e sem sentido.
Excetuando-se o depoimento carregado de emoção de Casagrande na Globonews, pouco se viu de algo lúcido e focado em analisar o que fazer para que novos talentos não sejam perdidos para o flagelo das drogas.
Grave é constatar que para fugir de um tema delicado e essencial, muitos preferiram a frase emblemática: “me interesso apenas por aquilo que fez no gramado”. Com todo o respeito, isso não é correto. Um personagem como Maradona vai muito além das quatro linhas..
Fica a pergunta: por que isso acontece? Tenho duas teses. De um lado, temos um jornalismo brasileiro impregnado e ocupado em parte por gente da classe média alta brasileira e que se dedicou (com razão) por tanto tempo a aprender idiomas, possuir diplomas de doutorado, pós graduação e esqueceu do essencial: aprender e entender o que é o Brasil e a América Latina, seus personagens, contextos. São muito mais vidrados em uma cultura de valores norte-americanos e europeus do que entender e decifrar os acontecimentos.
Detalhe: verifica-se tal alicerce intelectual até para aqueles que atuam como correspondentes sediados em países do Mercosul. Do outro, o jornalismo esportivo brasileiro caiu na armadilha do entretenimento: temos ventríloquos de esquema tático, de resultados, que falam tudo do jogo e são incapazes de aprofundar o futebol enquanto fenômeno social. Ou seja, uma modalidade cujo ambiente reproduz casos de racismo, homofobia, machismo e é dotado de personagens contraditórios, complexos e profundos. Sócrates, Paulo César Caju, Afonsinho, Reinaldo, Wladimir, Casagrande…Veja quantos perfis são desperdiçados e desprezados por essa cobertura sem sal, determinada apenas a ser resultadista. Não é a toa que o canal “Museu da Pelada” virou referência obrigatória A morte de Maradona apenas escancarou tal drama.
Para que ninguém me acuse de ranzinza, o site de José Trajano (www.ultrajano.com.br) produziu textos interessantes sobre o acontecimento. O que, no fundo, produziu recordações da antiga linha editorial da ESPN Brasil. O que reforça ainda mais o nosso fracasso nesta cobertura emblemática e histórica.
(Elias Aredes Junior)