Torcedor campineiro: jamais esqueça ou ignore o seu rival. É ele que faz seu time crescer e evoluir

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O livro “A violência no Futebol”, de autoria do sociólogo Mauricio Murad  é uma  obra para entender o fenômeno da agressividade nas arquibancadas e na própria modalidade. E na página 238, ao enfocar as conclusões sobre a pesquisa de campo, o professor relembra uma frase de Papa Francisco que deveria ser uma cartilha. “(…) O futebol deve ser um lugar de paz e solidariedade, que as diferenças de camisas não podem criar diferenças e conflitos humanos. Assim, o futebol dá uma lição ao mundo”, afirmou o pontífice, torcedor declarado do San Lorenzo.

Tais palavras foram ditas quando ocorreu o acidente que vitimou todo o staff, comissão técnica e jogadores da Chapecoense, além de profissionais de imprensa, em novembro de 2016. O recado era simples e claro: o futebol deve focar na integração e não na divisão.

O conceito vale para as rivalidades. Uma equipe só cresce quando existe um espelho, uma referência. O torcedor cresce na necessidade de conviver com a diversidade, a diferença, as opiniões diferentes. Acredite: aos poucos, o enunciado está sendo perdido no futebol campineiro.

Se Campinas foi a capital brasileira do futebol na década de 1970 foi porque isso era reflexo daquilo que acontecia nas ruas. O torcedor fazia questão de conviver com o  rival e exigia que no gramado argumentos fossem construídos para que ele vencesse o debate nas ruas e casas.

Era um circulo virtuoso: o vice-campeonato paulista da Ponte Preta em 1970 gerou melhorias no Guarani que desembocou na conquista do turno inicial do Paulistão de 1976 e fez com que a Ponte Preta reagisse e chegasse a final do estadual de 1977 e que no ano seguinte construísse o cenário para o Guarani ser campeão brasileiro em 1978.

Era uma busca pela excelência, cujo combustível era aquilo que era discutido em cada bar, esquina, feira livre, dentro do ônibus, entre outros espaços. Em bairros com predominância de bugrinos, certamente a minoria pontepretana tinha argumentos na ponta da língua e vice-versa. E o clima reinante era de melhoria constante. Só a vitória interessava.

O processo continuou na década de 1980. Duvida? Ora, quando a Ponte Preta foi vice-campeã paulista em 1981, terceiro lugar no Brasileirão no mesmo ano não era fruto por querer ficar a frente do rival? E o Guarani vencedor da Taça de Prata de Prata de 1981 e medalha de bronze no Brasileirão de 1982? Existia uma concorrência sadia e com cada equipe na ênfase de buscar a sua identidade e história. De olho no rival. E convivendo com ele. E asseguro que isso frutificou amizades lindas e que permanecem até hoje. Ou até casamentos…

Não sei quando tal conceito se perdeu. Como observador do futebol, considero que a partir da década de 1990, por uma série de fatores, cada um foi cuidar de sua vida. Este foi o erro fatal. Sim.

Buscavam uma chegada solitária ao clube de elite e que o rival estivesse no pântano. Ou extinto. Engano profundo. Não entenderam que dois conjuntos, mesmo adversários, podem construir melhor do que um.

Esqueceram de transformar o dérbi em um produto, uma alavancagem econômica em uma região metropolitana com mais de 3,3 milhões. O provincianismo venceu. Aquele com visão estreita, tacanha, sem meta.

Vivemos agora a terceira fase. Perigosa. Dirigentes, torcedores, donos de canais falam apenas do seu time. Ou se fala de Ponte Preta ou de Guarani. Era como se o rival não existisse. Só interessa o time é mais nada.

Reflexo do nosso período voltado ao egoísmo, individualismo e ausência de solidariedade e até nas pequenas coisas. Perde-se o norte, a referência. E não há detecção daquilo que interessa.

Exemplo claro: alguém duvida que Ponte Preta e Guarani não se impulsionam entre si na atual edição da Série B? Muitos torcedores atuais não vislumbram o óbvio: se eu fizer o melhor trabalho e buscar superar o meu rival e em patamar maior, melhor será a campanha.

Absurdo dos absurdos. Veja que o coletivo de competição, de existência e convivência com o rival não foi perdido nem nas principais potências econômicas do futebol. Arsenal e Tottenham estão na Premier League, o campeonato nacional mais rico do planeta. Pergunte a qualquer torcedor dos dois times, rivais ferrenhos, se não ficam de olho no desempenho do outro.

Quando um torcedor alienado, seja pontepretano ou bugrino, começar a fazer um apelo nas redes sociais para esquecer o rival, eu te asseguro: aquele que diz entender tudo de futebol, nem de futebol entende.

(Elias Aredes Junior- Foto de David Oliveira-Guaranipress-Divulgação)