Companheiro Vadão:
Poderia utilizar cumprimentos formais. Não consigo. Prefiro utilizar a nomenclatura com a qual me recepciona a cada entrevista ou conversa informal. Uma distinção e generosidade típicas de um ser humano especial.
Permita-me hoje, neste dia que você levou uma nova punhalada do futebol discorrer não sobre o profissional e sim sobre o ser humano. O “caipira” nascido em Monte Azul Paulista e que ousou desbravar o mundo.
Do profissional, nem precisamos dizer nada. É vitorioso. Tem história e heroísmo para contar. Começa no Mogi Mirim quando deixou o futebol de ponta a cabeça na década de 1990 quando criou o “Carrossel Caipira” e forjou um certo Rivaldo.
Foi o passaporte para rodar e trabalhar: Ponte Preta, Guarani, XV de Piracicaba, São Paulo, Vitória, Bahia, Corinthians, São Caetano, Criciúma e Seleção Brasileira de Futebol Feminino.
Conheci você de maneira próxima em 2009. Você assumiu o Guarani em quadro dramático. Era setorista do jornal Tododia e hoje ao recordar acho engraçado; de um lado um repórter desconfiado, pronto a perguntar e cobrar; do outro, o treinador tímido, retraído e defensivo. Com o passar do tempo, ao acompanhar as matérias e reportagens, você viu que não existia sacanagem ou distorção da realidade.
O relacionamento entre fonte e repórter ganhou nova dimensão quando um dia, ao ficar de molho de casa por causa de uma crise de hipertensão você me ligou para prestar solidariedade e só para saber como estava. Confesso que ao desligar o fone eu fiquei na dúvida: “Um cara do futebol querendo saber da minha saúde. De que planeta ele é?”.
Pois é. Era do Planeta Terra. A partir daí, tive que vencer uma barreira, que era de criticar uma pessoa pela qual tinha estima. Ultrapassei. Seja no jornal ou na Rádio Brasil e depois Rádio Central fiz minhas críticas de modo contundente sobre opções suas ou decisões equivocadas. De início, você ficava contrariado, mas depois entendeu de modo maduro e sereno.
Por contar com uma (competente!) filha jornalista sabe que a crítica honesta, transparente e aberta só faz crescer. Sim, é verdade que jornalista não pode ter amigo. Continuo com essa tese. Mas como tratar alguém que talvez tenha virado o único amigo dentro do ambiente do futebol? Como fugir desta armadilha? Simples: o verdadeiro amigo é aquele que fala a verdade. Sem medo de machucar. Por que não quer ver o companheiro parado. Na pior.
Você parecia fora do baralho da bola após a passagem pela Seleção Feminina. Fruto de um machismo tosco, ridículo, infrutífero que reina no Brasil. “Ele está defasado. Ficou muito tempo com as meninas”. Era esse tipo de tosquice que ouvia. Retornou ao batente porque bateu o desespero no Guarani.
O medo do fracasso fez os dirigentes apelarem a quem sempre esteve pronto para corrigir o rumo da história no Brinco de Ouro. Por um triz não foi às semifinais do Campeonato Paulista da Série A-2. Na Série B do Campeonato Brasileiro, apesar das adversidades construiu uma campanha com 31 pontos somados. Teve tropeços e decisões equivocadas, é verdade. Agora, se os dirigentes priorizavam a permanência, qual o motivo da reclamação? Agora bastam mais 15 pontos em 16 jogos.
Então porque a resolução apesar da contrariedade da torcida? Resumiria tudo em uma palavra: vaidade. Esse sentimento avassalador que não faz o dirigente de futebol ter a clarividência de que ele não sabe tudo. E que necessita de gente confiável para executar os planos estabelecidos nos gabinetes.
A vaidade que impede os atuais dirigentes bugrinos Vadão entenderem que o problema do Guarani não é técnico e sim uma estrutura carcomida, defasada, tosca e que não oferece condições ideais para o trabalho de médicos e fisioterapeutas. Que faz o clube treinar no local de seus jogos, um procedimento inimaginável em qualquer clube médio do Brasil. Mas eles só têm olhos aos técnicos.
Ficaram anos e anos envolvidos em suas disputas perdulárias e não trabalharam naquilo que interessava. Afinal, a transferência de responsabilidade é o caminho fácil para encobrir debilidades e atos incompetentes. Deveriam agradecer por contar com um profissional da sua estirpe. Decidiram trilhar o caminho do esquecimento e do equívoco.
Duro Vadão é que eles, os dirigentes, não sabem o seguinte: o seu DNA já está impregnado nesta campanha de Série B. Sob qualquer hipótese. É só fazer a previsão. Se o time não fizer os 45 pontos e for rebaixado, a torcida pode muito bem afirmar que o time foi prejudicado pela sua saída. Se conseguir a permanência é possível afirmar que boa parte dos pontos foi você que obteve. E se por acaso acontecer uma virada e o acesso for obtido com 64 ou 65 pontos, quem vai ousar esquecer que quase metade dos pontos foi você que conseguiu? Pois é.
Não abaixe a cabeça. Você errou e acertou. Fez o seu trabalho com dignidade. Não só para satisfazer a torcida bugrina e sim para exibir aos seus filhos, esposa, irmãos e parentes. Ali, dentro do seu lar poderá exibir um troféu conquistado no mundo selvagem do futebol: o da dignidade e da retidão.
Fique bem. Os seus detratores não sabem, mas nada tira de ti o principal troféu almejado por qualquer ser humano: o troféu da vida.
Um abraço do jornalista e amigo da bola (ou a exceção que confirma a regra)
Elias Aredes Junior
29/08/2017