Especial: em um noticiário esportivo cada vez mais infantilizado, a “velha” ESPN Brasil faz uma falta danada

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Estive no local uma vez. Meados da primeira década do Século 21. Acompanhei meu amigo fraterno, o chargista Bira Dantas. Chegamos atrasados. Trânsito de São Paulo era o culpado. Para variar. Pouco importa. Em um bloco de 10 minutos da gravação do “Loucos por Futebol”, o artista entrou nos estúdios e fez uma dezena de caricaturas. Assombroso. Recebeu cumprimentos entusiasmados da diretora Adriana Saldanha. Depois fomos apresentados ao diretor José Trajano.

Foi importante conhecer o capitão de uma emissora esportiva com 24 horas por dia de programação, com conteúdo relevante e o diferencial: tratava o torcedor como adulto. A gestão inicial da ESPN Brasil era um símbolo de respeito ao esporte, a coisa pública, a luta contra os desmandos do futebol e por denunciar  casos de corrupção de modalidades olímpicas.

A programação respirava reflexão. Começava com “Pontapé Inicial”. Livros e discos associados ao esporte e um bate papo sobre cultura. Você tem ideia da dimensão de tal gesto em um país de 200 milhões de habitantes e com índice anual de leitura de 2 livros por cidadão? Um país que foi engolfado há anos por uma cultura pasteurizada na área musical e que fica determinado a sumir com artistas de altíssimo quilate?

Pense por um instante que sem a internet não presenciáramos a explosão de uma pérola chamada Tereza Cristina. Se fosse no passado, certamente a cantora faria dueto com “Canalha” ou bateria papo com Trajano.

Se acionasse o controle remoto a qualquer hora do dia, existia uma luz, um modo diferente de ver o esporte e a vida. Bastidores, bom humor, investigação, espirito critico e jornalistas que na vida pessoal tinham um time e uma paixão, mas sabiam que um trabalho sério era combustível para desnudar os meandros do poder e para instigar o torcedor. Tratá-lo como adulto. E quem assistia o Linha de Passe com Juca Kfouri, José Trajano, PVC e Mauro Cézar tinha uma ideia do que sentia o torcedor carioca ao acompanhar a Resenha Facit no final da década de 1950 na TV Rio com Luiz Mendes, João Saldanha, Armando Nogueira e Nelson Rodrigues. Homens inteligentes com ânsia de debate o esporte mais popular do Brasil. Como dar errado? Impossível.

A “antiga ESPN Brasil” ficou muito mais relevante na sua ausência do que na ativa. Os profissionais que estão por lá merecem criticas? Nada disso. Mas sabe quando você tem um time, chega um novo técnico e percebe que os jogadores rendiam melhor no antigo esquema tático? Pois é.

Internet é um novo horizonte. Muitos desses profissionais que tratam o esporte como fenômeno social e parte integrante da vida cotidiana estão presentes em sites, canais de Youtube ou podcast´s.

A Agência Sportlights de Lúcio de Castro, (integrante da bancada mais famosa do Bate Bola, ao lado de PVC, Mauro César Pereira e João Carlos Albuquerque) é fundamental para quem luta por um esporte limpo e transparente. E ele era integrante daquele time que parecia não parecia querer ser melhor ou pior e sim diferente.

Só que por enquanto o veiculo de massa do Brasil é a televisão aberta e em segundo plano as emissoras fechadas. E que são dominadas por uma programação pasteurizada e que parecem determinadas a tratarem o torcedor como um ser infantil, sem opinião e que só aceita programas focados no puro entretenimento.

Não existem  mais “Caravanas do Esporte” ou “O Brasil da Copa do Brasil”. O executivo com planilha na mão afirma que esse pacote não dava audiência. Rebato e afirmo que muitas vezes a missão do jornalismo é dizer aquilo que o publico precisa ouvir e não aquilo que ele quer ouvir.

Em um país que cultua a violência, exalta o autoritarismo e trata o esporte de maneira infantilizada e superficial, a consequência direta é o rebaixamento do debate. E a “antiga ESPN” faz uma falta danada. (Elias Aredes Junior)