Livro do mestre Dicá mostra os outros golaços de sua vida

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Gosto do ser humano em estado bruto. Falhas, virtudes, derrotas e vitórias. Aberto, sem disfarces. Na Bíblia Sagrada, Pedro era capaz de pregar o Evangelho com destemor e de negar a Jesus Cristo por três vezes na mesma noite. Na história em quadrinhos, Batman encarava psicopatas e bandidos mas  lutava contra suas limitações emocionais. Um herói imperfeito. Simpatizo e aprecio tais personagens e coloco nesta galeria Oscar Salles Bueno Filho, o Dicá após a leitura da obra “Mestre Dicá” de autoria dos jornalistas Sthepan Campineiro e André Pecora.

Os feitos esportivos do eterno camisa 10 da Ponte Preta você está careca de saber. O gol no Morumbi na final de 1977, o golaço contra o Taguatinga em 1982, as vitórias históricas sobre o Guarani. Suas passagens por Santos e Portuguesa. Só que  segredo do livro está em desvendar o humano por trás do personagem. Que sofre. Tem decepções, dúvidas, excessos. A sua descrição é de um campineiro típico, apegado as raízes e ao seu cantinho, o Jardim Santa Odila. Ajudou ou atrapalhou na carreira? O livro concede subsídios mais do que suficientes para você tirar suas próprias conclusões. Impossível ignorar a coragem do próprio Dicá em abordar seus problemas com a síndrome do pânico e sua luta silenciosa contra a bebida, ora aliada na alegria e em outras uma traiçoeira armadilha nas adversidades. Você folheia e o calor humano, a proximidade com o personagem parece impregnado.

O mérito principal da obra é a luz colocada sobre três personagens, essenciais para transformar Dicá no mito pontepretano; Cilinho, Zé Duarte e Berenice, sua esposa. O primeiro insistiu no seu aprimoramento técnico e teve papel relevante ao incutir uma noção tática e posicionamento que lhe transformaram em um armador diferenciado. O segundo soube entender como poucos a personalidade de Dicá e retirou dele o seu melhor potencial em 1969 e 1977.

Berenice merece uma distinção especial. Após ler a obra, você colocará a esposa de Dicá ao lado de personagens emblemáticos do futebol nacional como Sandra, esposa de Zico, Jurema, a primeira esposa de Roberto Dinamite ou Tati, companheira de Adrianinho, revelado pela Ponte Preta e agora no futebol norte-americano. Ou seja, mulheres fortes, sábias, previdentes, zelosas e de pulso firme com os filhos e capazes de atuar com independência para assegurar uma boa estabilidade emocional e financeira aos seus cônjuges após o final do sonho do futebol.

Nunca estiveram ao lado deles apenas nas vitórias e sim nas tormentas. Fica a impressão de que Berenice foi e é o alicerce de Dicá como demonstra as quase 400 páginas do livro.

Berenice e as mulheres citadas anteriormente são exemplos de vida e um contraponto necessário e urgente para aquelas que utilizam jogadores de futebol para um trampolim social e sem remorso de deixa-los na miséria. Se existe um senão na obra é forma como é colocado o pingue-pongue com o ex-jogador. Poderia ficar no final do texto. Nem assim é suficiente para apagar as inúmeras qualidades do trabalho insano de pesquisa e reportagem dos dois jornalistas.

Após a leitura do livro e ao degustar o DVD – que falaremos em outro post- o torcedor pontepretano e o amante do futebol fica com a sensação de ter conhecido um pouco mais de um camisa 10 autêntico, agraciado e injustiçado pelos desígnios da vida, boa praça e ate hoje sem jeito para lidar com o seu papel de protagonista na história da Macaca.

Um herói que dá vontade não só de pedir um autógrafo, mas de bater um papo ao lado de uma churrasqueira.

(análise feita por Elias Aredes Junior)