Um telefonema, um pontepretano de 80 anos e uma pergunta: quem vai salvar a Macaca?

3
2.062 views

Eram 18h desta terça-feira. O telefone tocou no quarto e não ouvi. Estava no escritório. Peguei o aparelho. Estava carregado. Tinha uma ligação não atendida. Liguei de volta. Do outro lado da linha, uma voz já conhecida. Era o ex-presidente da Ponte Preta, Marcos Garcia Costa. 80 anos. Muitos dedicados à Macaca. Viveu o auge e diversas crises.

Desta vez era diferente. Estava arrasado. Voz embargada. Não queria transmitir uma notícia. Nem dar uma opinião. Queria apenas falar. Ter um interlocutor que ouvisse sua angústia, seu desespero.

Fiquei em silêncio. Por 10 minutos, aquele senhor que poderia encontrar-se em casa tranquilo, ao lado de netos e família mostrou sua decepção. Sua tristeza profunda de verificar que a letargia mata aos poucos sua principal paixão, Associação Atlética Ponte Preta.

Apatia que abre espaço para o presidente do Conselho Deliberativo desmarcar uma reunião sem dar uma justificativa consistente. Também fui cobrado, inquirido. E me calei. Naquele momento, eu era o representante da imprensa. Marcos Garcia Costa lamentou a situação por considerar que a imprensa também poderia fazer algo mais. Ser mais crítica, forte, cobradora e sem medo de retaliação. Nada disso. Marcos Garcia Costa assiste a um processo de degradação e grita, pede socorro e não vislumbra ajuda.

Pior: verifica que Sérgio Carnielli e Vanderlei Pereira, considerados por muitos os principais vilões do processo de deterioração da Macaca, estão blindados. Dentro e fora do Majestoso. Criticas tímidas. O poder protegido. Pensei comigo: “Infelizmente não é diferente em outros clubes”.

Não sabia o que fazer. Não imaginava uma saída. Ouvia. Após o desabafo, aquele senhor, testemunha ocular de tantas histórias da Macaca, desligou o telefone.

A ligação não acabou. Martelou o meu cérebro. Perguntas ecoam na mente. Reflexões saltam aos olhos. Relembro a revolta, o inconformismo não só de Marcos Garcia Costa mas dos mais de cinco mil torcedores presentes ao Majestoso contra o Bragantino. Ou aqueles que tentam utilizar as redes sociais não para tumultuar mas para encontrar um centelha de esperança ao ver sua paixão ecoada pelos quatro cantos do mundo.

Faço uma autocritica. Dura. Implacável. Nós, cronistas esportivos, falamos de ingressos, esquemas táticos, contratações, jogadas de bastidores, escolhas de dirigentes, a bola que não entrou, a vitória redentora, a derrota…tantos dados, informações, estatísticas e o principal fica de fora: o coração. A alma do torcedor. Talvez se fizéssemos um raio-x mais preciso do que sente e pensa o torcedor, talvez a distância não fosse escancarada.

Por que no Brasil futebol não é entretenimento. Apenas. É identidade, história, identificação, alicerce para formação de uma comunidade. Resumir ao jogo das quatro linhas é pobre, sem nexo.

Quantos pontepretanos não formaram seu circulo de amigos no Majestoso? Quantos não encontraram o amor de sua vida no chão seco ou molhado da arquibancada? Centenas, milhares.

Na frieza dos números, na busca desenfreada pela audiência, da recompensa financeira ou da vaidade exacerbada , nós, da imprensa esquecemos de algo primordial. Sem a alma, o coração, a emoção do torcedor, o futebol não significa nada. A Ponte Preta e qualquer clube ficam resumidos a uma camisa.

O telefonema desesperado e desalentador de um senhor de 80 anos me fez reforçar que devo sim exercer um jornalismo crítico, independente, na busca da verdade e do desmantelamento dos poderosos. Mas que todo este esforço só valerá a pena se o trabalho for direcionado para gente de carne e osso. Que sofre, chora e vibra desde 1900 por uma camisa histórica. Um símbolo na luta contra o racismo e a desigualdade. Um rebaixamento não fere a Macaca somente no âmbito esportivo. A ferida crava sua história, seu espírito. Formado por cada pontepretano. Eles é que vão salvar a Ponte Preta. No Paulistão e na sequência de sua trajetória.  E provar a insignificância de quem encara um clube popular apenas como plataforma de ambição, poder e dinheiro.

Que Marcos Garcia Costa e outros pontepretanos entendam: vocês não estão sozinhos.

(artigo de autoria de Elias Aredes Junior)