Vasco x Ponte Preta: mais do que um jogo, uma aula de cidadania

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Não existe jogo no Brasil com tamanho peso social e histórico do que Vasco e Ponte Preta, que se enfrentam na noite de hoje no estádio de São Januário, em jogo válido pela Série B do Campeonato Brasileiro.

Dois clubes que representam o símbolo de como o futebol pode ser um caminho para reparações históricas, economicas e sociais. Não há confronto que simbolize com tanta força a inserção do negro no futebol brasileiro e especialmente a construção de uma trilha de inserção social para uma população que representa 54% da população brasileira.

O Vasco foi revolucionário, diferente, moderno. Em pleno começo de Século 20. Tudo gira em torno do dia 7 de abril de 1924. Na ocasião, o então presidente José Augusto Prestes assinou o manifesto que ficou conhecido como a Resposta Histórica. O texto comunicava que que o Vasco se recusaria a disputar a divisão principal do Rio de Janeiro sem seus jogadores negros. A exigência tinha sido imposta pelos dirigentes da época. A dimensão simbólica da atitude, considerada insurgente naqueles tempos em que o futebol de elite era privilégio dos brancos, transformou o clube cruzmaltino em estandarte da luta contra o racismo no esporte brasileiro. Não custa lembrar: Flamengo, Fluminense e Botafogo eram considerados clubes de elite, longe das causas populares. Dois anos antes da carta histórica, o clube já tinha dobrado a aposta ao fazer uma formada basicamente por operários, motoristas, pintores e faxineiros.

A Ponte Preta não fica atrás. Teve em suas fileiras, Miguel do Carmo, ou Migué, como era mais conhecido. Ele atuou na Macaca já na época da fundação do time, em 11 de agosto de 1900, e é portanto o primeiro negro a atuar em um time de futebol brasileiro até porque a Ponte é o primeiro time de futebol do Brasil fundado como tal e que funciona de maneira ininterrupta desde sua fundação.

Quando menino, Miguel do Carmo residia na Rua Abolição, local que era reservado a trabalhadores que atuavam . Miguel do Carmo, trabalhou como ferroviário, e jogava futebol com os garotos no bairro onde nasceu o clube. O rapaz cresceu, se casou, teve dez filhos. Mas morreu muito jovem, aos 47 anos, em 1932. Mas cravou seu nome na história.

A Ponte Preta, com o passar do tempo, foi muito além de abrigar jogadores negros em seus quadros. O clube encampou a luta contra o racismo. E com atitudes. E na minha concepção nada é mais emblemática do que adotar a Macaca como mascote. O apelido foi abraçado por que nos estádios em que a Ponte Preta se apresentava como visitante pelo interior do Estado, era comum ser recebida com os gritos de “macacos” e “macacada”. A torcida, entretanto, preferiu transformar as ofensas em apelido e adotou a macaca como mascote do clube. Um tapa na cara daqueles que adotavam o nome de modo pejorativo e queriam normalizar o racismo como norma de conduta.

No passado recente, apesar de gestão desastrosa sob o ponto de vista administrativo, não há como negar o pioneirismo da Ponte Preta ao possuir Sebastião Arcanjo como presidente, o único mandatário negro entre os 40 clubes do Brasil. E na atualidade, a segunda secretária Lucimara Ferreira é a primeira mulher e negra a ocupar um assento na Diretoria Executiva.

O Vasco da Gama, por sua vez, abriu espaço em sua trajetória para que treinadores como Gentil Cardoso e Alcir Portela e Cristóvão Borges, pudesse exibir o seu talento e capacidade. E para completar, o goleiro Moacir Barbosa, astro do Expresso da Vitória, das décadas de 1940 e 1950, dá o nome ao Centro de Treinamento do clube.

Digo sem medo de errar: Reabilitar Vasco da Gama e Ponte Preta para a primeira divisão do futebol brasileiro não é apenas a chance de receberem de volta duas torcidas apaixonadas, enlouquecidas e que amam o futebol. O retorno destes clubes representa é a possibilidade de elevar ainda mais o protagonismo de causas sociais dentro do futebol brasileiro. Antes mesmo da bola rolar, no jogo da cidadania, vascaínos e pontepretanos já ganharam de goleada.

Se quiser, ouça a versão do texto em áudio reproduzido na Rádio Brasil: