Outro dia meu parceiro e amigo Julio Nascimento relatou-me que o Só Dérbi recebeu um elogio rasgado de um dos professores de jornalismo da Puc-Campinas. Seu diagnóstico foi preciso: “Não fiquem incomodados com as criticas porque Campinas não está acostumado com jornalismo puro e simples no esporte”.
Fiquei lisonjeado pelo elogio e entrei em reflexão. Dias após dias internautas entram aqui no site e na área de comentários do Facebook para protestarem. Pedem elogios. Suplicam por noticiário doce, com “alma de torcedor”. Ou seja, que tenha uma visão polianistica em curto e médio prazo. Sem fiscalização e acompanhamento das ações do poder. De preferência nada de crítica ou relato de problemas ou falhas. Resumindo: querem ser alienados, manipulados. Viver um conto de fadas. E que o site avalize tudo isso.
Apesar dos erros e problemas no estádio Brinco de Ouro e no Moisés Lucarelli. Não sou eu que diz isso e sim o quadro atual dos dois clubes. A Ponte Preta, apesar da vitória contra o Atlético-PR, tem um caminhão de problemas em contratações e falhas de gestão. O Guarani desde 2010 não disputa a divisão de elite nacional e desde 2013 sequer sabe o sabor de jogar o pelotão dianteiro do Campeonato Paulista.
Pergunto: como vender que temos duas equipes “imbatíveis” e ignorar os problemas e desafios a serem enfrentados? O que ganhamos se ficarmos transmitindo um mundo faz de conta, uma filial, por exemplo, do Manchester United ou Manchester City? Não ganhamos nada. Acredite.
Seria de bom grado fazer uma visita ao passado. O futebol de Campinas viveu uma época de ouro nas décadas de 1970 e 1980 acoplada com jornalismo critico, destemido e sem medo de apontar as feridas. Detalhe: com as duas equipes na ponta da tabela.
No jornalismo impresso, o Diário do Povo tinha combatividade, marcava de perto os dirigentes e tinha uma a coluna Jogo Rápido com informações de bastidores. No Correio Popular, a seção “Só Bastidores (E de futebol!)” era um instrumento vital na revelação dos desmandos e equívocos de dirigentes, treinadores e jogadores.
No rádio, para quem não se lembra, tínhamos repórteres e comentaristas com espírito aguçadamente crítico, sem medo de apontar erros e mazelas. Poderia iniciar no passado com Sérgio Salvucci e depois comentaristas como Brasil de Oliveira, Jorge Ferreira e Carlos Gonçaves.
Repórteres? Como ignorar a postura critica de Ariovaldo Izac e de Paulo Moraes, que pressionavam os dirigentes sem medo de gerar suscetibilidades? Interessante observar que na época as duas torcidas entendiam e apoiavam tal linha de trabalho. Não só porque os times estavam em época áurea de vitórias, mas porque entendiam que a cobrança sobre os dirigentes era fundamental para sustentar o alto nível.
Pegue a máquina do tempo e volte para 2017. O que temos hoje? O jornalismo crítico, apartidário, independente, com viés oposicionista, direcionado a quem estiver no poder é combatido em Campinas. Profissionais que desejam trilhar este caminho difícil são desqualificados e alvo até de pressões políticas e econômicas.
Difícil compreender tal postura se o comportamento em outras praças revela a validade do jornalismo puro e simples, sem ressalvas e ávidos por elogios.
Os times paulistas viraram centros de detentores de sete títulos nacionais desde 2003 é pelo fato da mídia local realizar uma cobertura ácida, sem trégua aos cartolas, técnicos e jogadores. Corinthians e Palmeiras foram rebaixados? Verdade. Só que hoje encontram-se em patamar muito superior ao passado. A pressão da imprensa certamente colaborou para tal estado de coisas.
Como comparação, basta dizer que no Rio de Janeiro, com uma parte de “imprensa festiva” sedimentada há anos e anos só tem o Flamengo como único time sem rebaixamento no currículo. E cujas as melhorias demoraram a acontecer.Quando acordaram, a distância para os concorrentes paulistas ficou quase inadministrável.
Por ser uma cidade com 1,1 milhão de paulista, renda per capita alta e infraestrutura sem registro em outras capitais, Campinas pode e deve exigir um regime de excelência de seus clubes. Não é com alienação, autocensura e manipulação que isto será obtido.
(análise de autoria de Elias Aredes Junior)