Reportagem Especial: A Ponte Preta e sua aliança com Plínio Marcos na luta contra a ditadura militar

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A história da Associação Atlética Ponte Preta não é feita apenas de jogadas, gols, disputa de títulos ou arquibancadas lotadas. Agremiação que abriu as portas aos negros e com identificação na classe operária, ficou vinculada ao posicionamento moderno e corajoso em outras áreas.

O que pouca gente sabe é a disposição que a clube teve em romper barreiras e enfileirar-se na trincheira de luta contra a ditadura militar, iniciada em 31 de março de 1964 e encerrada em março de 1985, com a posse de José Sarney. A reportagem do Só Dérbi irá resgatar dois episódios em que o clube deu respaldo e apoio ao dramaturgo Plínio Marcos, falecido em 19 de novembro de 1999, e que nunca escondeu sua paixão pelo futebol, mesmo sendo perseguido e caçado pela ditadura militar, inconformado com suas peças de forte denúncia social

Para entender o contexto, é preciso fazer uma viagem na história. Por causa de peças com temática, forte e focadas em mostrar o drama dos excluídos, Plínio Marcos sofreu com a censura de suas peças. Barrela e Navalha na Carne não passavam pelo crivo dos censores. Uma reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” do dia 03 de agosto de 1968 deixava escancarado o quadro delicado vivido pelo artista: “(…)A situação de Plínio Marcos é a seguinte: trabalho dele que chega em Brasília, antes mesmo de ser lido, os censores dizem: Plínio Marcos? Proibido (…)”.

Encenada por diversos grupos teatrais, Navalha de Carne foi apresentada em um espaço no Moisés lucarelli em 1969
Encenada por diversos grupos teatrais, Navalha de Carne foi apresentada em um espaço no Moisés lucarelli em 1969

Mesmo com o sucesso da novela “Beto Rockfeller”, veiculado pela TV Tupi, seu teatro encontrava resistência e preconceito.

Ir contra a maré e contestar o poder são especialidades da Ponte Preta e em 1969 surgiu a chance inicial para Plínio Marcos trazer a sua peça “Navalha na Carne”, em uma apresentação única no Estádio Moisés Lucarelli. Agendada pelo dramaturgo para ser encenada após um sarau, o dramaturgo trouxe um grupo de teatro da Escola de Artes Dramáticas da USP para encenar “Navalha da Carne”, já na época proibida pela censura.

Quem presenciou não esqueceu e recorda de mínimos detalhes, como o ex-presidente da Ponte Preta e do Conselho Deliberativo, Marcos Garcia Costa, na época um estudante universitário. Na época, Costa voltou de Curitiba apenas para acompanhar a apresentação. “Plínio Marcos era na época meu ídolo pelo seu estilo literário e forma de comunicação. Tinha o desejo de ver a peça, mas não podia ser exibida. Quando cheguei em Campinas , soube através de minha irmã que peça seria levada na Ponte Preta e através de um amigo consegui os ingressos. Isso tudo, ocorria sob tensão e forte emoção”, disse o ex-dirigente, sem esquecer a vigilância constante da censura, que não perdoava sequer os clubes de futebol que ousavam sair da “cartilha” estabelecida pelo poder central.

Para Marcos Garcia Costa, o risco era algo consciente por parte de todos os envolvidos. “(Existia) Tensão por contrariar a censura é isso representava grande risco e emoção porque a peça tinha a autoria de Plínio Marcos, que juntamente com Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) não se intimidavam e colocavam críticas destemidas ao governo!  Senti-me o mais orgulhoso dos homens pela atitude corajosa do clube do meu coração dando tal abertura ao um de meus ídolos da época”, relatou.

Segundo ele, a atitude tomada pela Ponte Preta teve repercussão fora de Campinas. “Quando voltei a Curitiba contei aos colegas estudantes, professores da Universidade e a todos que podia o ocorrido. Ver a peça e dentro da sede de meu time de coração foi de tamanho orgulho  que no encerramento da mesma a emoção falou mais alto: coloquei o braço no ombro de minha irmã e cheguei ‘as lágrimas”, disse Marcos Garcia Costa. A reportagem do Só Dérbi consultou o historiador oficial da Ponte Preta Moraes dos Santos Neto. Ele confirmou a existência do evento, mas disse ser difícil cravar a data exata da peça devido a precariedade dos registros na época.

Considerada revolucionária, "Quando as máquinas param" atrai o interesse de diversos grupos teatrais até hoje
Considerada revolucionária, “Quando as máquinas param” atrai o interesse de diversos grupos teatrais até hoje

Plínio Marcos não desistia de encenar suas histórias. Outro enredo de fôlego surgiu em 1972, quando Campinas se preparava para a exibição de “Quando as Máquinas param”. Segundo depoimento colhido em sua própria biografia, o livro “Bendito Maldito”, Plinio enfrentou a resistência de um produtor local conservador e que mobilizou a cidade para que a peça não fosse exibida. De imediato, a Ponte Preta, ainda presidida por Sérgio Abdalla ofereceu o espaço do Salão Nobre para a apresentação, atitude geradora de eterno agradecimento. “Este autor fica para sempre agradecido a gloriosa Ponte Preta e a sua gente e, por essa luz que me ilumina muito mais feliz por ver Quando as máquinas param apresentada na casa do povão em vez de ser apresentada no templo fajuto do dono da cultura. De todo o meu coração, obrigado Ponte Preta”, escreveu o dramaturgo.

“Quando as Máquinas param” teve tamanha importância que ganhou um prêmio especial em 1973 da Associação Paulista dos Críticos de Teatro por sua contribuição a popularização do teatro..

A pergunta é inevitável: por que a Ponte Preta virou uma trincheira da luta de Plínio Marcos pela liberdade de expressão?. A resposta é mais simples do que se imagina. “Ele (Plinio Marcos) usava muito o jornalista Renato Pompeo de Toledo para fazer essas pontes com a Macaca porque eles residiam em São Paulo e conversavam muito. E o Renato fazia essa intermediação”, disse o historiador oficial pontepretano Moraes dos Santos Neto. Renato Pompeo de Toledo era jornalista, pontepretano e faleceu em 09 de fevereiro de 2014, aos 72 anos.

(texto e reportagem: Elias Aredes Junior)