O dia 05 de maio está marcado para o retorno do dérbi campineiro. O maior clássico do interior paulista será um dos principais eventos da Série B do Campeonato Brasileiro. Certamente atrairá a atenção do Brasil. Independente daquilo que venha acontecer no gramado, um fato é certo: a CBF e a Justiça determinaram o jogo com torcida única. Afirmam que é um instrumento para o combate a violência das torcidas organizadas.
A equipe do Só Derbi, formada por jovens jornalistas e outros mais experientes, de maneira respeitosa, discorda do magistrado. É preciso encontrar uma fórmula para que o dérbi volte a ser ocupado pelas duas torcidas, mesmo que a outra fique em número bem inferior. Não há sentido em privar o clássico da moldura desejada por todos.
Temos consciência de que vamos contra a maré. A maioria acredita que a instituição da torcida única seja a fórmula para que em cada um dos turnos o torcedor bugrino e o pontepretano compareçam ao estádio em paz. Respeitamos. Só que ainda cremos no debate da opinião pública, na construção de uma polícia focada no trabalho de inteligência e prevenção para combater o dado que realmente importa: de acordo com o professor Maurício Murad, especialista no assunto, de cada 100 torcedores organizados, apenas seis são envolvidos em um ato violento. Repito: seis de 100.
Por que as forças de segurança pública e o poder judiciário precisam adotar a restrição para acabar com a violência no futebol? Não existe algo errado? Por que em nenhum instante foi cogitado em Campinas projetos pioneiros como a torcida mista nos grenais e que tem resultados satisfatórios?
Futebol no Brasil não é apenas esporte. Ou negócio. É fator de identidade cultural. Lógico, seria mais óbvio aceitar os dados que demonstram a queda nos índices de violência nos jogos de torcida única. Mas quem disse que os estádios são o único ponto de encontro das torcidas? Como ignorar que, nos últimos cinco anos, sem a existência de dérbi na tabela de qualquer campeonato, diversas ocorrências e confrontos entre os torcedores foram registrados entre os torcedores organizados? Pior: nestas ocasiões, cidadãos inocentes foram colocados na berlinda, em situação de risco. E a polícia? Infelizmente não soube realizar um trabalho de inteligência para impedir o pior.
Mais: a medida não é considerada de eficácia comprovada, pois se diminui o número de ocorrências violentas dentro dos estádios, também é verdade que as ocorrências em outras regiões da cidade continuaram em voga. A violência só mudou de endereço e as vítimas foram outras.
E não falamos de maneira empírica. Em seu livro “A violência no Futebol”, de autoria do sociólogo Mauricio Murad, os dados são colocados de modo claro: 90% das ocorrências acontecem longe dos estádios e em ruas que são considerados como territórios das torcidas. Para chegar a essa conclusão, o sociólogo realizou pesquisas dos boletins de ocorrência em todo o território nacional registrado em 2016. Ele registrou casos por exemplo em que confronto realizado entre torcidas aconteceram sete (sete!) quilômetros longe dos estádios. No seu livro, o sociólogo ataca o problema principal: a ausência de um plano efetivo de combate a violência e ao crime no futebol. Pergunta-se: o dérbi esteve ausente do calendário campineiro por cinco anos.
Ou seja, promotores, juízes e policiais tiveram tempo de sobra para elaborar um programa e um projeto que combatesse as ocorrências tanto dentro do estádio ou fora dele. E com respeito, adotaram apenas medidas restritivas e de curta duração. Exemplo clássico: por que não instituir um disque denúncia específico para denunciar os desvios de conduta das torcidas organizadas?
Vou mais longe: há pelo menos 10 ou 15 anos funciona na Unicamp um grupo de estudos sobre violência no futebol coordenado pela professora Heloísa Reis, que, inclusive, já coordenou pesquisas enviados à Federação Paulista de Futebol sobre o comportamento e perfil das torcidas organizadas. Como a cidade de Campinas e suas autoridades públicas não aproveitaram ainda mais o potencial e as informações colhidas por esse trabalho? Fica a dica e reflexão.
Existe outro dado alarmante e ignorado pelos combatentes das torcidas organizadas: capacidade de sedução dessas instituições especialmente nas camadas mais pobres da população, que não tem capacidade financeira para frequentar os estádios e geralmente encontra nas torcidas organizadas a única maneira de penetrar e fincar fileira nas arquibancadas.Conjuntura muito bem aproveitada até por diretorias de clubes de todo o país, que fazem a conhecida moeda de troca: eu dou o ingresso e você me apoia.
Pergunto: no vendaval do pacotão de medidas anunciadas por promotores, juízes e policiais, onde está a preocupação social? Ou seja, baratear o preço dos ingressos para automaticamente permitir que o jovem e o adolescente, com seus próprios recursos possa ter acesso ao estádio. Qual a ajuda concedida por essas autoridades para que as torcidas organizadas possam expulsar os 6% de delinquentes que atrapalham a sua credibilidade? E nem venham dizer que as torcidas organizadas não fazem parte do espetáculo.
Quem as televisões focalizam quando querem ilustrar o estádio em festa? Quem são os autores da maioria dos cânticos e refrões entoados no a dia a dia por anônimos espalhados por todo o país? Quais os torcedores que reanimam os estádios quando o time encontra-se em quadro delicado? É o torcedor comum? Quem frequenta o Brinco de Ouro, Majestoso, Arena Itaquera, Morumbi, Maracanã ou qualquer estádio sabe do que falo.
Determinado dia ouvi a seguinte frase a respeito do posicionamento do promotor Paulo Castilho: “Ah, ele não gosta de torcida organizada”. Ah, mas do torcedor violento ninguém gosta. Agora, ele acha saudável exterminar também o torcedor organizado e comum que apenas deseja fazer a festa? Não, não venham também com o argumento de que a elitização é o caminho para abrirmos mão da torcida única. Na média, o ingresso brasileiro é um dos mais caros do mundo. Isso acabou com a violência no futebol? Não.
Fizemos toda esta análise para dizer que a instituição da torcida única é uma medida que traduz a derrota do sistema de segurança pública no estado de São Paulo e sim e principalmente a incapacidade de se investir na prevenção.
Se não querem mudar de ideia, ok. Tudo bem. Mas que o promotor público Paulo Castilho, as polícias civil e militar e a secretaria de Segurança Pública apresentem um plano factível com começo, meio e fim para viabilizar em curto e médio prazo o retorno dos estádios em Campinas com as cores verde, preto e o branco.
Se nos acostumarmos com torcida única e sem um plano factível de segurança podem acreditar: o futebol campineiro ficará com uma pálida impressão do que já foi nas arquibancadas. Não queremos isso. Nosso caminho é pela batalha de bugrinos e pontepretanos presenciando o clássico que para a cidade. E que a Polícia cumpra sua parte.
(análise feita por Elias Aredes Junior)