O que Ponte Preta e Guarani podem aprender com a Chapecoense, finalista da Copa Sul-Americana

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A Chapecoense fez história. É finalista da Copa Sul-Americana. Um time médio, em uma cidade com 209.553 mil habitantes e que está há três anos na principal divisão do futebol brasileiro. Qualquer cidadão campineiro deveria produzir a seguinte pergunta nesta quinta-feira: por que uma cidade com 1,1 milhão não produz resultados similares?

A Ponte Preta já disputou a final da Copa Sul-Americana. Em 1979, o Guarani foi semifinalista de Libertadores.  No entanto, por encontrar-se no estado mais poderoso do Brasil e em uma cidade recheada de tecnologia,o normal seria que, apesar dos recursos menores em relação aos concorrentes, a possibilidade de arrecadação seria maior e automaticamente a presença no topo fosse mais constante. Tanto no Majestoso como no Brinco de Ouro. Detalhe: a Chapecoense passou por severa crise financeira no início do século e chegou a flertar com a segundona catarinense. Qual a fórmula aplicada ali que não é encontrada pelo Guarani? E a Ponte Preta? Por que depende ainda de uma única pessoa? Por que não emplaca um trabalho coletivo e com envolvimento de toda a cidade?

O fato é que o time catarinense tem fatores que poderiam ser assimilados. Desde que ressalvas sejam observadas. Vamos destrinchar alguns pontos.

1- Planejamento financeiro obedecido à risca

Closeup of businessman putting together many wooden cubes with dollar sign on them.
Sem cometer loucuras financeiras: a meta da Chapecoense

De acordo com o presidente da Chapecoense, Sandro Pallaoro, a maior parte da arrecadação financeira da Chapecoense vem dos direitos de transmissão dos jogos pela televisão, cerca de 60%. O orçamento para 2016 foi de R$ 48 milhões. Desse total, R$ 28 milhões são provenientes dos pagamentos da televisão. A contribuição dos nove mil sócios chega a R$ 10 milhões e outros R$ 10 milhões são de patrocínios da camisa, placas de publicidade e doações espontâneas de empresários da cidade e região.

O que pode ser aprendido por Ponte Preta e Guarani: A Ponte Preta está mais avançada no requisito de Sócio Torcedor, mas tem um entrave: sua base de torcida é popular, o que atrapalha a expansão da receita. Qual a saída? Talvez a colaboração de empresários campineiros para fomentar e ajudar na formação de um bom time, como faz a Chape. Pergunta que não quer calar: Sérgio Carnielli estaria aberto a tal procedimento? A mesma reflexão vale para o Guarani. Ao invés de agarrar-se a Roberto Graziano, o ideal não seria formar um pool de empresários para auxiliar na recuperação financeira da agremiação? Por que isso não acontece? Pois é.

2- Obsessão com melhoria da estrutura

chapecolino
Centro de Treinamento é marco no Clube Catarinense

Em palestra realizada em abril deste ano na Associação Comercial de Chapecó, o presidente da Chapecoense demonstrou que não adianta as coisas acontecerem no gramado sem  crescimento da infra-estrutura. E ele dá exemplos: “Temos 140 jovens que fazem todas as refeições no clube. É um processo lento. Acredito que daqui uns cinco anos podemos ter um ótimo retorno com a venda de jogadores, por exemplo. Aí teremos mais recurso para investimentos. Sempre falo no vestiário que não somos melhores do que ninguém e não podemos nos intimidar diante de equipes grandes.(…) Viajávamos de Kombi. Quero que o time viaje com o próprio avião. (…) Quando assumi o clube, nós pagávamos as viagens com o dinheiro do nosso bolso. Os jogadores não podiam estragar as camisas porque só tínhamos um jogo. Em 2009, a Chapecoense movimentava R$1,5 milhão por ano. Hoje, temos uma receita anual de R$40 milhões”, disse o dirigente.

O que pode ser aprendido por Ponte Preta e Guarani: A diretoria da Chapecoense deixa claro seu pensamento em duas frentes: bons resultados no gramado e melhoria da infra-estrutura. Em Campinas, ninguém pensa de tal modo. A diretriz está apenas no futebol. No Guarani, montar times é prioridade enquanto que não se pensa em alternativas para buscar um centro de treinamento decente e uma estrutura de fisiologia capaz de evitar uma sobrecarga no departamento médico. Na Ponte Preta a estrutura é melhor? Em comparação com o passado recente sim. Só que pense que clubes da Série B já contam com Centros de Treinamentos com alojamento próprio e com, no mínimo cinco ou seis campos. O futuro é agora.

3- Método de pagamento como no mundo corporativo

Pagamento no dia certo é sagrado no time catarinense
Pagamento no dia certo é sagrado no time catarinense

O time catarinense subiu seu orçamento de maneira paulatina. De acordo com dados da imprensa local e do próprio local, em 2013, já na série B, o orçamento da Chapecoense fechou na casa dos 13 milhões de reais. Em 2014 subiu para 35 milhões e a estimativa de 2015 é alcançar os 40 milhões. Mais: segundo os dirigentes, o dia 10 é reservado para o pagamento do salário registrado em carteira (60% do total) e no dia 25 são quitados os direitos de imagem (40%).

O que pode ser aprendido por Ponte Preta e Guarani: Os rendimentos de bugrinos e pontepretanos foram pagos em dia – ou com pequeno atraso – nesta temporada o que é uma evolução a ser elogiada. No entanto, tanto em um clube como no outro não temos a exata noção de qual o percentual do direito de imagem no pagamento do salário da boleirada. Existe um outro ponto. A Chapecoense garante os salários em dia independente de quem esteja no poder. É uma politica de Estado. Fica a pergunta: a Ponte Preta tem a condição de caminhar com as próprias pernas sem a presença de Sérgio Carnielli? E o que será o futuro do Guarani sem os aportes de Roberto Graziano? A Chapecoense não tem tal preocupação. A  instituição já está bem acima dos homens.

4- Poder de fato e de direito para quem conhece futebol. E esperar os resultados

Cadu Gaúcho é um dos homens fortes do futebol da Chape.
Cadu Gaúcho é um dos homens fortes do futebol da Chape.

O planejamento fica a cargo de Mauro Stumpf como diretor de futebol e Cadu Gaúcho na gerência de futebol. São eles os responsáveis por darem a palavra final. E inclusive falam com a imprensa local e prestam contas. Foram os responsáveis pela contratação de Caio Júnior e pela estruturação do trabalho da Chape nos últimos anos.

O que pode ser aprendido por Ponte Preta e Guarani: São duas leituras diferentes. Na Ponte Preta, a impaciência pode minar bons trabalhos. Ao contrário do que pensam muitos torcedores, Gustavo Bueno deveria continuar. Mesmo com seus equívocos e falhas. Não há como colher bons resultados sem um trabalho de médio e longo prazo. Claro, tudo tem um limite. Mas ainda acho que Gustavo Bueno tem  crédito. No Guarani, o quadro é ainda pior: Rodrigo Pastana, Rogério Giardini, Lucas Andrino, Luiz Simplício…O Guarani teve muitos dirigentes responsáveis pelo futebol. Nenhum teve continuidade. Como pedir resultados constantes? Resumo da a ópera: sem paciência e convicção não há como pedir frutos saborosos.

5- Sem receio de sonhar alto

Libertadores: por que os clubes campineiros não podem ter a mesma ambição?
Libertadores: por que os clubes campineiros não podem ter a mesma ambição?

Veja esta declaração do presidente da Chapecoense, Sandro Pallaoro a respeito dos objetivos da Chapecoense. Atual campeã catarinense sob o comando de Guto Ferreira, não quer ficar restrito ao domínio local. Quer mais. Tal objetivo ficou claro em palestra De Sandro Pallaoro na Associação Comercial em abril deste ano. Confira: “Meu sonho é levar a Chapecoense ao título da Copa Libertadores da América. Acredito que seja possível. Não sei quanto tempo isso pode levar, mas é possível. Conseguimos excelentes resultados com um orçamento pequeno se comparado a outros clubes do mesmo nível. Então, precisamos melhorar nossos patrocínios e conquistar melhores verbas por transmissão de jogos pela televisão”.

O que pode ser aprendido por Ponte Preta e Guarani: No caso do Alviverde, o desejo de se reerguer é quase uma obrigação. Planejar para subir a media e longo prazo a divisão de elite em âmbito estadual e nacional.

Na Ponte Preta, é diferente. Tem verba menor assim como a Chapecoense, mas a Macaca não inclui no seu planejamento a montagem de um elenco capaz de suportar duas competições.  Nem 2013 pode ser usado como parâmetro. Na ocasião, o time fez um péssimo primeiro turno – 15 pontos- e a qualidade do elenco pode ser apontada como fator determinante. Sob o comando de Jorginho e com reforços obtidos de última hora como Felipe Bastos, Elias e Leonardo, a Macaca fez história na Sul-Americana. Teria o resultado desejado com o elenco do turno inicial do Brasileirão? A a resposta mais provável é não. Chegar na final de uma competição de grande porte não é fruto de um trabalho bem feito em outubro ou novembro. Começa em janeiro ou dezembro do ano anterior. Simples como água limpa.

6- Disputa de mercado com os reais “concorrentes”: Antes de ser guindado ao cenário nacional, a Chapecoense tinha o mesmo problema dos seus rivais locais: a invasão gaúcha nos corações catarinenses. De acordo com a pesquisa ibope divulgada em 2014, o Grêmio tem 870 mil torcedores no estado contra 500 mil colorados. Isso sem contar os 620 mil corinthianos e 590 mil flamenguistas. Qual foi a estratégia da diretoria da Chapecoense? Transmitir o conceito de que o time pertence a cidade, é um patrimônio local. Com isso foi gerado um sentimento de proximidade e fidelidade cujo reflexo direto é a média de público de 7611 e a ocupação de 39% na Arena Condá.

O que pode ser aprendido por Ponte Preta e Guarani: Tanto em um como o outro tem diretorias que pensam de modo introspectivo. Não encaram Campinas como um mercado a ser disputado contra Corinthianos, palmeirenses, são paulinos e equipes internacionais. Não aplica o provincianismo positivo. A de que tanto um como outro são patrimônios da cidade e devem ser abraçados e incentivados. Esse trabalho mais profundo faz falta. Muito.

Não vou ignorar alguns pontos que ajudam a Chapecoense, como a pressão menor pela ausência de um rival local e o fato de contar com cinco títulos estaduais ( 1977, 1996, 2007, 2011 e 2016). Mas o clube catariense deixa lições para os amantes do futebol. Especialmente bugrinos e pontepretanos.

(texto, reportagem e análise de Elias Aredes Junior)