Você se sente verdadeiramente pontepretano? É bugrino de coração? A arquibancada é extensão de sua casa? Então este texto lhe interessa!

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O ex-presidente do clube é homossexual assumido. O “hino” que toca quando o time entra em campo é Hells Bells, do AC/DC. Entre os souveniers da loja oficial destaca-se a frase: “refugiados são bem-vindos”. A torcida, que costuma lotar o estádio com uma média de 30 mil pagantes, não cobra resultados, e sim uma manutenção da identidade.

Opa, opa, opa. Tem algo errado nesta história. Estamos mesmo falando de futebol? Como identidade pode importar mais do que títulos? É isso mesmo quando o time em questão é o St. Pauli (batizado com o mesmo nome do bairro onde foi fundado), em Hamburgo, na Alemanha. Ali, há muito mais em jogo do que o cardápio costumeiro do futebol – e ficamos sabendo disso na reportagem especial do site puntero-izquierdo, assinada pelo reportagem Thalles Machado. Confira aqui.

Integrante da Bundesliga 2 (com chances de cair para a terceira), o St. Pauli defende que vitórias e conquistas não se constituem em prioridade.  A luta contra a homofobia, o racismo, o machismo, o capitalismo é, de fato, o grande orgulho de seus torcedores. Existe um aspecto chamativo, o sentido de comunidade.

O St Pauli é um time onde todos se sentem donos da agremiação. Em um trecho da reportagem existe uma frase de um torcedor capaz de resumir o estado de espírito da equipe e das arquibancadas. “Você tem que entender que é a comunidade que faz o clube, e não o clube que faz a comunidade por aqui”. Bingo. Crime hediondo deixar de associar com aquilo que acontece no futebol campineiro. 

O clube faz a comunidade

Compreender, de fato, a frase “a comunidade faz o clube” significa entender que nenhuma comunidade se constrói apenas do futebol. O que a torcida leva para o estádio é quem ela é, quem ela representa e o desejo de estar entre iguais. Quer exemplo maior do que abraçar um desconhecido na arquibancada quando o time marca o gol da vitória? Não é prazeroso olhar ao redor e ver que todos ali vestem a mesma camisa?

O que o St. Pauli faz é ampliar as bandeiras dessa “camisa”. Ou melhor, é dar ao coletivo uma razão mais profunda de união. Não estamos aqui somente porque queremos que o time vença, mas por que queremos um mundo melhor. E podemos fazer isso até mesmo quando nos declaramos torcedores!

O  St. Pauli dá exemplo. Vejam bem: o time é pequeno, não tem o mesmo poder dos clubes mais famosos, nem a competitividade. Não dá para compará-lo, por exemplo, ao Bayer de Munique. E eles aceitam (eles não querem isso) essas “limitações”.

Agora, traga a história para Campinas.

Ponte Preta, a torcida que é o verdadeiro camisa 10

A Ponte Preta está na divisão de elite do Paulistão e entre os 20 melhores clubes do Brasil; o Guarani voltará a disputar a Série B nacional e a Série A-2 do Paulistão. São calendários respeitáveis. No entanto, existe um sentimento de insatisfação tanto nas arquibancadas do Brinco de Ouro como do Majestoso. Por que? Involuntariamente perdemos o sentido de comunidade. Não conseguimos detectar que os instantes de glória de bugrinos e pontepretanos tiveram como alicerce a participação das pessoas, mesmo que ricaços ou cheios da nota estivessem no comando.

Na Ponte Preta, basta dizer que três fatos emblemáticos de sua história não são triunfos no gramado e sim manifestação de comoção popular. O Estádio Moisés Lucarelli foi inaugurado em 12 de setembro de 1948 e a obra gigantesca só foi viabilizada graças aos torcedores que promoveram campanhas de aquisição de tijolos e botaram a mão na massa, abrindo mão até de seus momentos de folga para levantar o gigante de concreto. Já na década de 1960, a Macaca padeceu na segunda divisão e entrou para a história pela capacidade de mobilização. Caravanas e mais caravanas percorriam o interior do estado de São Paulo para acompanhar o time, independentemente de sua qualidade.

Um fenômeno repetido no dia 04 de dezembro de 2013, quando 28.477 pagantes estiveram presentes no estádio do Pacaembu para presenciarem a primeira final entre Lanús e Ponte Preta. Uma semana depois, mais quatro mil pontepretanos estiveram presentes na argentina.

Não seja equivocado.

Nestas ocasiões, não foi apenas uma torcida pronta para sentar na arquibancada e sim uma comunidade que queria estar junta, curtir o momento e desfrutar do sentido de coletividade em estado pleno. Não era uma torcida comum. Era uma comunidade. Uma comunidade que se dispersou nos últimos, especialmente quando o foco passou a ser os resultados no gramado (e a comparação deles com os outros times).

A Ponte Preta, assim como o St. Pauli, é maior do que o futebol. A Ponte é uma história recheada de bandeiras: Migué do Carmo, primeiro jogador de futebol negro do Brasil, vestiu a camisa do clube, em 1900. Sua mascote, a Macaca, é uma personagem feminina. Eu, se torcedora, poderia dizer: torço para um clube que luta pela igualdade racial e pela liberdade da mulher. Adoraria uma camisa da Ponte com o slogan: feminismo não é o contrário de machismo! Quem vem comigo?

 

Guarani e o espírito que desapareceu

O Guarani não fica atrás. Perdeu o sentido de comunidade que lhe catapultou para os seus anos de glórias. Nas décadas de 1970 e 1980, é óbvia a constatação dos resultados bugrinos. Mas existia uma base: o clube. Naquele período, o Alviverde contava com até 15 mil sócios. Gente que frequentava as piscinas, participava de eventos do clube e cuja maioria de modo automático enchia as arquibancadas do Brinco de Ouro. O Guarani era parte integrante destas pessoas.

No período da manhã, o clube tinha a serventia de proporcionar instantes de lazer para a família; á tarde, a reunião era com os amigos para torcer pelo time do coração. “Lugar onde vivem indivíduos agremiados”. Esta é uma das definições da palavra comunidade presentes no dicionário Aurélio. Encaixa-se no cenário descrito? Sim e é reforçado até pela estrutura de poder na época, em que um grupo político era responsável pelo comando do clube.

Quando uma pessoa era presidente da diretoria executiva, imediatamente, a outra tinha a responsabilidade de conduzir o Conselho Deliberativo. A partir da década de 1990, as disputas políticas e a eternidade no poder de personagens  como Beto Zini, José Luis Lourencetti, Leonel Martins de Oliveira, Marcelo Mingone e agora Horley Senna transformaram o Guarani em refém de salvadores de pátria e de gestões personalidade. O sentido coletivo e de comunidade aos poucos foi indo ao espaço. Efeito imediato, a torcida afasta-se cada vez.

Aliás, algo para chamar a atenção: toda vez que a torcida bugrina sente-se participante e considera sua interferência decisiva, os resultados são colhidos. Basta relembrar os 12.713 pagantes presentes no acesso contra o ASA (AL) ou os 19.742 torcedores presentes no triunfo por 2 a 1 diante do Águia de Marabá no dia 23 de novembro de 2008.

E não vamos nos esquecer, o mascote do clube é o Índio. O massacre à essa população, os verdadeiros “donos” da terra do Brasil, segue como uma realidade. Dia desses, uma apresentadora de um canal aberto de Goiás defendeu que o Indio, para ter direito a terra “gratuita”, não poderia ter acesso a geladeira. Mais do que isso: teria que morrer de malária, de parto.

A causa indígena, quando abraçada, vem acompanhada do entendimento de que a luta é também entre os que oprimem e os que são oprimidos, é uma luta social. Eu compraria uma camisa do Guarani como a frase: “Índio vocês são bem-vindos”. Quem vem comigo?

 

O futuro

O futebol mudou? Está mais capitalista? Os clubes pequenos são massacrados? Os gigantes ficam com quase todos os recursos? Sim é a resposta para tudo. Mas o St Pauli demonstra que a identidade, o sentido coletivo e a impressão de que somos participantes de um processo de vitória ou de derrota produz um combustível capaz de sustentar a chama da paixão. Em Hamburgo já perceberam a preciosidade do conceito. Que Campinas seja contaminada com algo tão vital.

(análise feita por Adriana Giachini e Elias Aredes Junior)