Aranha, um herói da vida

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Autor do gol da vitória no tempo normal no Pacaembu, o zagueiro santista David Braz chutou o pênalti nas mãos do goleiro Aranha. Transformou em herói uma figura única. Que parecia desprezado pelo futebol após fazer o correto: denunciar um ato de racismo na Arena do Grêmio na Copa do Brasil de 2014. Após idas e vindas  voltou no ano passado para sua terra, o seu aconchego, a Ponte Preta.

Na terça-feira, Aranha deu entrevistas. Foi estrela nos programas esportivos. Ao reafirmar seu amor pela Macaca, de carimbar sua ambição por título, o arqueiro não tem dimensão do seu ato.

Aranha está além do futebol. A cada declaração sua, o aplauso não deveria vir do somente do torcedor pontepretano. A sociedade lhe deve por sua bravura e destemor. Defesa, vitórias e suas performances reacendem a esperança nos trabalhadores negros de dias melhores. Não é fácil. Eles recebem 59,2% do rendimento recebido pelos trabalhadores brancos, de acordo com dados do IBGE de 2015.

Para nós, pobres mortais, que sequer chegamos perto de um vestiário de um clube de futebol, a rotina do goleiro de 35 anos não representa nada. Ledo engano. Seu posicionamento, força, fibra e tenacidade contra o racismo e a discriminação racial são uma centelha na batalha contra a desigualdade reinante no país e que afeta diretamente os negros. Os números são doloridos: em 2014, entre os negros a média de renda familiar per capita era de R$ 753,69 entre os negros e R$ 729,50, entre os pardos. E os  brancos? Renda média de R$ 1.334,30. Quase o dobro.

O sucesso e a força demonstrada por Aranha são um parâmetro aos negros que sofrem do flagelo do desemprego, que entre os negros é de 7,5% e com os pardos  fica em 6,8%. Brancos? Percentual de 5,1%. Mesmo como jogador ele sentiu na pele os problemas presentes em um país injusto. Deu a volta por cima.

Poderia citar outros números e estatísticas que demonstram a validade e a urgência de projetar e iluminar cada negro bem sucedido no Brasil. Mesmo que involuntariamente, Aranha transmite a mensagem de que é possível sim, lutar contra o racismo e o preconceito racial e ainda ser uma voz que faça a diferença.

E em 2017 podemos dizer que Aranha está no lugar certo e na hora certa. Em uma sociedade marcada pelo preconceito racial, nada melhor que Aranha brilhar com a camisa de um clube que é o pioneiro na abertura aos jogadores negros no Brasil. Uma agremiação que venceu de goleada o preconceito ao incorporar a Macaca como seu mascote e abriu os braços para todas as raças, credos e classes sociais. Aranha é uma síntese deste simbolismo.

Você pode ler e considerar precipitado o artigo. Discordo. Independente do que acontecer diante do Palmeiras, Aranha já está enraizado na história da Ponte Preta. Não só pelos milagres operados contra o Guaratinguetá em 2008 ou pelo retorno bem sucedido e a defesa decisiva no Pacaembu que faz o torcedor pontepretano sonhar novamente. Aranha será pauta e objeto de homenagens porque deixou de ser um ídolo de um clube de futebol para virar algo maior: um herói da vida.

(análise feita por Elias Aredes Junior)