Fui trabalhar no dia primeiro de maio e como de costume deixei meu carro no estacionamento. O proprietário do estabelecimento comercial, bugrino fanático, olhos esbugalhados, nem conseguiu me cumprimentar. Só disse: “Pense no beijo com a mulher mais maravilhosa do planeta. Não se compara ao ver a vitória do Corinthians contra a Ponte Preta”. Horas antes, comentava com minha esposa sobre o trabalho de domingo e ela mostrava-se espantada com a reação de uma amiga em comum, inconformada com a derrota e o sarro dos bugrinos. “Mas é ela é tão ponderada e controlada. Foi a Ponte Preta que fez isso com ela?”, indagou. Nas últimas horas, textões de bugrinos e pontepretanos foram espalhados pelos quatro cantos. Temperados com insultos, xingamentos e depreciações. A pergunta surge de modo avassalador: o que temos no futebol campineiro: ódio ou rivalidade? O ódio ganha de goleada, algo que alertei em artigo publicado no dia 15 de dezembro do ano passado neste Só Dérbi.
Assim como fiz naquela ocasião, debruço-me sobre o dicionário Houaiss e uma das definições de rivalidade é a seguinte: “Característica ou condição de rival ou do que rivaliza; oposição por vezes lúdica e sem grandes consequências, entre dois ou mais indíviduos, grupos, instituições que perseguem um mesmo objetivo em cada lado visa suplantar os outros; zelo excessivo”.
Definições
Você poderia abraçar tais enunciados para colocar sobre as camisas de Ponte Preta e Guarani. Pare um pouquinho e veja o que o mesmo dicionário diz sobre ódio: “Aversão intensa motivada por medo, raiva ou injuria sofrida; ódio, aversão, repugnância ou antipatia”, diz a obra editada no começo do século.
Pelas reações de parte a parte neste último final de semana sinto que entramos de cabeça no espiral de ressentimento acometido em várias áreas da sociedade brasileira.
Pegue a definição inicial de rivalidade: “grupos, instituições que perseguem um mesmo objetivo em cada lado visa suplantar os outros” No caso de Ponte Preta e Guarani, como eles podem fomentar a rivalidade sadia se eles não se encontram?. E não digo a ausência de quatro anos do dérbi. O problema ocorre há tempos.
Falta de dérbis: estrada para o ódio
Um levantamento deste jornalista constatou que tivemos dérbis no período de 1980 a 1987 de modo ininterrupto. No ano seguinte, apesar das tentativas de salvar-se na Justiça Comum, a Macaca foi rebaixada no Paulistão e o clássico esteve ausente até 1990 e posteriormente um novo período de ausência até 1993 devido aos problemas financeiros, administrativos e esportivos da Macaca. Nem em 1996 ou 1997 o encontro aconteceu seja no Brinco de Ouro ou no Moisés Lucarelli.
Com a incompetência presente no “queijo” (prédio administrativo do Guarani) foi a vez do Guarani provocar a seca nas estatísticas. Em 2007, o desencontro de calendários provocou a inexistência do jogo, fenômeno repetido em 2010 e desde 2013. Ou seja, nos últimos 37 anos, o dérbi não esteve no calendário em 12 anos, ou 32,4% do total. Não há notícia de nenhum clássico relevante no Brasil que sofra de tamanho obstáculo.
Qual a consequência prática? Simples: perde-se o foco. Ao invés da cobrança ser direcionada para as diretorias das duas agremiações montarem bons times e aprimorarem as suas estruturas para superarem os rivais nas competições em que estão envolvidos, o alvo vira a chacota ou agressão violenta a cada derrota ou tropeço do rival. Enquanto o pontepretano adota a máxima “já que estou por cima não quero que ele cresça”, o bugrino aposta na máxima do quanto pior melhor para a Macaca. No final das contas, a discussão fica nivelada por baixo. Pior a incapacidade de ambos olharem para suas feridas.
Guarani: infra-estrutura deficiente
O Guarani é um pálido exemplo do que já foi. Enfiado em dívidas trabalhistas e com 10 rebaixamentos nas costas, a equipe não visita a série A do Paulista desde 2013 e 2010 foi o último registro de aparição na divisão de elite do Brasileirão. O clube, que já teve 15 mil sócios na década de 1980 hoje elege seu presidente com 509 votantes. Uma vergonha. Vexame. Assim como a ausência de lideranças no futebol devem ser registradas. A carência de valores é tão grande que o último diretor de futebol com destaque foi Cláudio Corrente no Paulistão de 2012, idêntico responsável pela montagem da equipe vice-campeã paulista de…1988!!!
Neste estado de penúria, o Guarani torce para ficar na Série B e o momento de regozijo de sua torcida é quando encaminha gozações ao rival por não chegar ao título. Muito pobre. Paupérrimo. Miserável.
Ponte Preta: como será o amanhã?
Por vias tortas, a Ponte Preta encontra-se em uma enrascada. Sim, tem um mecenas chamado Sérgio Carnielli que lhe tirou da falência. Paga as contas em dia, salários de jogadores não estão atrasados e o presidente Vanderlei Pereira é considerado um exemplo de gestão. Disputa a final do Paulistão, participou da decisão da Sul-Americana de 2013 e quase faturou o caneco da Série B. Ótimo. Lógico que está a frente do Guarani. Evidente. Mas até que ponto tal conceito é sólido?
A pergunta não é toa. A oposição, guardadas as devidas exceções foi dizimada do Majestoso. A impressão transmitida é que vozes dissonantes são sufocantes e criticas parecem ser descartadas. A estrutura do futebol é melhor do que em anos anteriores. Fato. Mas está distante de concorrentes de porte médio do futebol brasileiro como Criciúma, Ceará, CRB, Goiás. Se levarmos em conta os times grandes então, a distância é abissal. Ou dá para considerar o atual Centro de Treinamento um exemplo de excelência? A presença de Vanderlei Pereira e Carnielli não apaga o questionamento: quem foi formado para gerir o futebol de modo consistente?
Marco Antonio Eberlim e Márcio Della Volpe, forjados dentro do próprio grupo político com a meta de conduzirem o futebol hoje são personas Non gratas. Se a Alvinegra inverter o quadro contra o Corinthians, asseguro que ninguém vai citar Hélio Kazuo ou Giovanni Di Marzio como responsáveis diretos pela montagem da estrutura do futebol. Por que? Falta formação. Vanderlei e Carnielli estão na área, mas não são eternos. E depois? O que vai acontecer? Vou além: e a divida com o presidente de honra? Qual garantia expressa de que tudo correrá as mil maravilhas quando ele não estiver mais presente? Sim, ele também é mortal.
Pìadas e rivais
Já vi muitos torcedores dizendo que o rival da Ponte Preta é São Paulo ou Corinthians. Como rivalizar se a disparidade econômica impede qualquer ambição? Estes grupos de torcedores não tem medo em apontar o Guarani como um integrante desprezível. Então como explicar a montanha de memes e piadas disparadas a cada fracasso bugrino? Que indiferença é essa capaz de suscitar tantas piadas, memes e frases temperadas de ódio e violência?.
No final, o que poderia ser fomentado no campo, por falta de jogos, vira um combustível para o fomento de um ódio gerador de violência. Sim, porque dérbis não acontecem há anos mas nunca inexistiu o registro de morte de bugrinos ou pontepretanos. Uma tragédia.
A saída
O caminho para a Ponte Preta firmar-se para valer na elite e buscar um encurtamento de distância para clubes como o Atlético-PR é único, assim como o Guarani só tem uma única saída diante da necessidade de retornar aos campeonatos de elite estadual e nacional e retomar o caminho da melhorar como estrutura: ambos precisam admitir e encarar o que são. Ou seja, trabalhar a rivalidade de modo positivo, conjunto para buscar recursos e ainda combater a invasão dos times estrangeiros e do Corinthians, a preferência disparada na região. Se consideram aptos a vencerem esta batalha sozinhos estão enganados. Muito enganados.
Do jeito que está, a Ponte Preta parece a família de classe média recém chegada ao condomínio fechado e que deseja acompanhar o padrão de renda dos vizinhos, apesar do bolso não ser vasto. O Guarani é o quatrocentão que morava no mesmo condomínio e acha que não causará estranheza ao querer fazer pose no bairro periférico, apesar de encontrar-se falido. Ninguém ganha e pior: o ódio prevalece. Sem a bola rolar, uma tragédia para quem aprecia rivalidades históricas.
(análise feita por Elias Aredes Junior)