Análise Especial: Abel e a ausência de empatia no futebol e em parte do jornalismo esportivo brasileiro

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Jornalismo precisa ser crítico. Apartidário. Independente. Mexer na ferida. Ser o intermediário entre o público e os poderosos. Só que nada disso tem sentido sem empatia e humanidade. Reconhecer que do outro lado existe uma pessoa que pode e deve ser submetida ao escrutínio da opinião pública. Sem deixar de lado a perspectiva de que nosso desempenho profissional é fruto de nossas escolhas, histórias e trajetórias.

Pensei em tudo isso ao verificar a saída de Abel Braga do Flamengo. Trabalho decepcionante. Não em pontuação. Em desempenho. Como no rubro-negro tudo carioca é gigantesco a ganha dimensão, é natural a comoção.

A imprensa esportiva brasileira reflete tal dimensão. Para o bem ou para o lado negativo. Quem estava contra o trabalho de Abel adotou uma postura beligerante, destrutiva e ácida. Muitos que ficaram a favor adotaram um estado de cegueira. Tanto um lado como outro não incutiram em suas críticas ou defesas irrestritas conceitos em falta não só no futebol, mas na sociedade brasileira.

Abel tem seus conceitos de futebol. Aplicou na Ponte Preta, Internacional, Flamengo, Fluminense, futebol francês, mundo árabe. Foi campeão. Formou patrimônio. Constitui herança para a família. Justo. Decente.

O  Abel que faz seu trabalho hoje não é o mesmo que foi campeão brasileiro há sete anos. Está machucado. Ferido. Alma dilacerada. E é obvio que isso interfere. No desempenho profissional e na vida pessoal. E na crueldade fria ou na obtenção da audiência a qualquer preço alguns jornalistas, favoráveis ou contrários, ignoraram esse fator.

Perder um filho é dilacerante. Ferida que nunca cicatriza. Você, torcedor do Flamengo, que é pai, pense e imagine um cena. Acordar e ver o quarto vizinho vazio. Sem o bom dia que você aguardava nas manhãs, a carona para a escola, o cinema de final de semana, o papo sem compromisso pela madrugada. Em um instante tudo acaba. Como achar que tudo será normal de agora em diante? Não será.

É preciso recomeçar. Caminhar. Andar um passo de cada vez. E contar com empatia. Humanidade. Parceria. Não só da família. Do vizinho, parentes, amigos, de todo mundo. Não só por uma questão humanitária e sim para auxiliar no reerguimento de quem é, antes de tudo, gente.

Aquele homem não é mais aquele. Ele precisa viver. Necessita de amparo. Alguns apelidaram os cronistas esportivos amigos de Abel Braga como integrantes do “Clube do Vinho”. Acho que jornalista não pode ter amizade com seu objeto de cobertura. Abel é a exceção. Depois de tudo que passou Abelão, você acha mesmo que os amigos só se reúnem com ele para falar de futebol? Pessoas que passam por tal sofrimento não pedem para que lhe estendam a mão. Natural. Por que com Abel seria diferente?

Abel suportou o Fluminense e seus atrasos de salários não somente por uma questão profissional, mas porque no minuto seguinte que a tragédia lhe abateu o técnico recebeu afago, carinho, respeito, em todos os cantos do Brasil. Foi um combustível tremendo para o recomeço.

Será que o milionário Flamengo, com seu poderio econômico, não perdeu aquilo que lhe ser o time mais poderoso do Brasil, o calor humano? A paixão do pobre, rico ou de qualquer brasileiro que exalava da arquibancada e servia de combustível para que homens virassem deuses da bola. Onde está? Onde está aquele Flamengo que respirava Brasil pelos poros? Será que o trabalho de Abel não foi ruim porque, entre outros fatores, a torcida, dirigentes e parte da imprensa incorporam uma parte desse Brasil cruel que trata pessoas como números e cuja vitória pode e deve ser obtida a qualquer preço?

Você pode dizer: “Ah, se para cada um que perder o filho a gente fizer isso o jornalismo perde o sentido, especialmente o sentido critico”. Eu faço a pergunta de frente para o espelho: Será?

Papa Francisco é o maior líder Cristão da atualidade e é capaz de dizer coisas sérias e profundas e em tom critico com extrema doçura. Não, não defendo o método boleirão ou comentarista esportivo sem sal ou açúcar. O que eu considero é que podemos ser duros, rígidos, mas entender que atrás de cada técnico, jogador e cronista esportivo ou de qualquer brasileiro temos gente  com vitórias, derrotas e feridas que precisam ser carregadas.

Não é paternalismo e nem vitimismo. É humanidade. Foi o que faltou para que Abel tivesse o mínimo conforto e chance de sucesso. Que ele seja feliz.

(Elias Aredes Junior)