Análise: Na Ponte Preta todo mundo é legal. E o torcedor perde de goleada

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Jornalismo é conflito. Por natureza. A relação entre repórter e fonte tem que ser respeitosa, mas não exime de percalços e obstáculos. Perguntas incômodas, cobranças sobre medidas e fatos surgidos de modo surpreendente e a prestação de contas ao distinto público fazem parte do pacote.

Hoje vou tocar em uma ferida. Delicada. E desde já me coloco na linha de tiro. Errei. Prometo melhorar. Outros também erraram e também se equivocam, mas não confessam. Existe um tabu a ser quebrado na cobertura e na análise da Ponte Preta: a afeição pessoal.

A Macaca caiu, o rebaixamento virou realidade, mas todo mundo no Majestoso é “legal”. Isso mesmo que você leu. A simpatia, a palavra fácil, o causo contado na hora certo para descontrair dirigentes e repórteres produz um salvo conduto. Um colchão de espuma virtual capaz de amaciar e colocar uma cortina de fumaça nas criticas.

Exemplo prático: Aranha passou por oscilações, João Carlos foi uma decepção e tomou uma bola defensável diante da Chapecoense. Que tal criticar o preparador de goleiros? Não dá, porque André Dias é um cara legal. Conta piadas, é amável no trato e está disponível para aquele bate papo descontraído depois do treino. Se o cara é legal, existe a necessidade de tomar cuidado. Se bobear, o jeito é esquecer da crítica.

Toneladas de jogadores foram contratados. De maneira errada. Cabeças de bagre envergaram a camisa da Ponte Preta. O presidente passou por cima e contratou o armador? Ah, então chegou a hora do acerto de contas com o gerente de futebol, certo!? Nada disso. O Gustavo Bueno é legal, gente boa, honesto, determinado e precisa ser tratado com carinho. Mesmo se for criticado, precisa ser com cuidado. Afinal de contas, ele é legal. Gente boa.

O mesmo aplica-se ao técnico Eduardo Baptista. Errou na escalação? Vacilou em alguma substituição? Errou ao escalar Rodrigo? Merece criticas, mas alto lá! Não é o mesmo o treinador que é filho de um lateral criado na Ponte Preta? Não é trabalhador, honesto e dedicado? Ah, devagar com o andor. Ele é parceiro e legal. Não pode pegar pesado com ele.

Eu e muitos colegas cometemos esses erros de avaliação e concepção por anos e anos por deixar de lado algo básico. O jornalismo, seja qual for a área é, antes de tudo, uma prestação de serviço à sociedade. É a busca da verdade e de informações que possam esclarecer o ouvinte, internauta, leitor e telespectador. Nesta construção, é inevitável o choque de versões e até o aparecimento de ressentimentos. Porque o jornalismo deve ser um instrumento de contestação e fiscalização do poder. Não pode ser uma atividade marcada pelo entretenimento.

Quando tal conceito vira prioridade, quem paga o pato é a sociedade. George Orwell já dizia: “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. Ou seja, é desagradar. Até aquelas pessoas que consideramos legais.

(análise de Elias Aredes Junior)