Ele pode ser marrento, mascarado, dado a poucos amigos e de pouca conversa. Só que um fato é inegável: Aranha faz parte da história da Ponte Preta. Após viver anos e anos na reserva, o arqueiro, hoje, com 35 anos, foi protagonista na vitória da Macaca sobre o Guaratinguetá por 2 a 1, pelas semifinais do Paulistão de 2008. Defendeu um pênalti e fez defesas miraculosas e ajudou a Alvinegra disputar uma final de competição após 27 anos.
Seu desempenho foi tão soberbo que abriu portas para jogar no Atlético Mineiro, Palmeiras e no Santos, lugar em que viveu o episódio mais doloroso: no dia 28 de agosto de 2014, durante o confronto entre Grêmio e Santos, na Arena do Grêmio, válido pela Copa do Brasil, o atleta foi vítima de insultos racistas. Não vacilou: denunciou ao árbitro e o jogo chegou a ficar paralisado. “Xingar, pegar no pé é normal. Agora me chamaram de ‘preto fedido, seu preto, cambada de preto’. Estava me segurando. Quando começou o corinho com sons de macaco eu até pedi para o câmera filmar, eu fiquei p… .Quem joga aqui sabe, sermpre tem racista no meio deles. Está dado o recado, agora é ficar esperto para a próxima”, desabafou o goleiro na ocasião após o episódio. Dias depois, o tricolor gaúcho foi eliminado da Copa do Brasil e a torcedora Patrícia Moreira foi identificada como suspeita do ato racista.
O fato é que, mesmo com o pedido de perdão da jovem, o episódio marcou o goleiro, que rescindiu contrato com o Palmeiras e agora está disponível no mercado.
O raro leitor deve perguntar: o que a Ponte Preta tem a ver com isso? Muita coisa. Lógico, as inscrições para o Paulistão estão encerradas e os goleiros serão Matheus, João Carlos e César.
Para o Campeonato Brasileiro, no entanto, colocar o goleiro Aranha como um possível reforço seria uma forma de juntar dois aspectos posítivos em um só. Em forma e interessado, Aranha é um goleiro de boa qualidade técnica. Tem reflexos, sabe sair do gol e liderança no gramado. Aos 35 anos, está mais maduro e preparado. Poderia com folga exercer o papel de Marcelo Lomba, feito em 2015.
Aranha poderia ir além de Lomba. Sua presença teria uma utilidade histórica, sociológica e de cidadania. Quem conhece minimamente a história da Macaca sabe que a agremiação foi pioneira por abrigar Miguel do Carmo, o primeiro negro a atuar no futebol brasileiro. Ou seja, a Ponte Preta é um símbolo do futebol brasileiro contra o racismo e o preconceito racial. Existe casamento mais perfeito do que o clube de vanguarda na luta contra o preconceito racial abrigar um vítima real e cabal desta chaga social?
Aranha poderia personificar campanhas e projetos voltados na luta contra o racismo e o preconceito racial. Seria uma forma da Macaca mostrar aos jovens e as crianças que a Ponte Preta não é apenas um clube de futebol, mas um simbolo de resistência e que isto deve ser preservado e ampliado. Sua presença chamaria atenção do torcedor pontepretano sobre o papel da Ponte Preta, sua história e sua função nesta selva do futebol, hoje envolvida e cifrões e despreza sua contribuição na formação do Brasil, com suas virtudes e defeitos.
Ignorar Aranha não é apenas deixar de analisar a perspectiva de contar com um jogador de qualidade e identificado. É uma chance perdida de praticar cidadania.
(análise feita por Elias Aredes Junior)