Artigo especial: Guarani, crise na Série B, palanque para Bolsonaro e a destruição do conceito de família

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Futebol e sentido comunitário andam juntos. Todo mundo escolhe um time. Não é apenas para vibrar por vitórias e lamentar as derrotas. Nós queremos, no fundo, sermos integrantes de uma coletividade, ganhar uma identidade e possuir orgulho de empunhar uma bandeira. Queremos preservar símbolos, homenagear ídolos e utilizar o tema como congraçamento nas festas e confraternizações.

O Guarani tem a palavra família no seu hino. O torcedor tem orgulho desse conceito. Porque família é, antes de tudo, sinônimo de amor, carinho, cumplicidade. Você pode brigar e discutir com o colega de trabalho, vizinho, desconhecidos e até no jogo amador de domingo. Mas nada é tão dilacerante quanto romper e brigar com o pai ou a mãe, ou virar as costas para o irmão. A alma corrói. O coração sangra por horas, dias, meses, anos, décadas. Não cicatriza. O ser humano sem apoio da família não é nada.

Ninguém quer deixar de estender o braço para quem necessita. Não há desejo de ficar inerte perante o sofrimento humano. Duro é constatar quando isso poderá produzir sequelas profundas.

Milhares de torcedores bugrinos estão arrebentados emocionalmente. Alguns apenas pelo quadro vivido na Série B do Campeonato Brasileiro. Time presente na zona do rebaixamento, ausência de vitórias, incapacidade de reação e equipe pessimamente planejada. Independente do resultado contra o Paysandu, neste sábado em Campinas, algo já é certo: se tudo ocorrer dentro do roteiro previsto, o sofrimento será parceira bugrina na Série B.

Agora, existem torcedores que estão feridos por aquilo que ocorre dentro do campo e estão desnorteados, decepcionados e com sentimento de traição no coração. Eles querem ajudar e colaborar com aqueles que estão sofrendo com as enchentes na Região Sul.

Querem estender a mão de toda a qualquer forma. Ficam satisfeitos pelo engajamento da prefeitura local e do governo estadual. Tenho convicção de que se fosse algo convocado apenas pelos poderes oficiais seria motivo de orgulho. Até por deputados com base eleitoral em Campinas e por vereadores. Afinal, são pessoas eleitas pelo povo. Tem o mandato outorgados pelas urnas. Estes políticos estarem presentes é normal e até obrigatório.

Agora, qual a justificativa para que torcedores bugrinos aceitem em um evento oficial, um político que foi Presidente da República por quatro anos, está sem cargo, enfrenta processos na justiça, está inelegível e mostra claramente suas intenções de retornar ao posto máximo do Planalto? Alguém que deseja ser candidato novamente ou indicar alguém para o posto? Ou seja, uma personalidade política com desejo de utilizar todo e qualquer espaço para reafirmar seu poder político.

Como criticar o torcedor bugrino que não deseja o clube sendo palco de tal distorção? Detalhe: a atitude seria errada se o convidado fosse Ciro Gomes, Dilma Rousseff, Alvaro Dias, João Amoedo ou qualquer político sem cargo. Deixa de ser ato oficial para virar palanque político. Ponto.

Consequência prática: a torcida do Guarani está rachada. Dividida. De um lado, torcedores magoados e feridos. Alguns com anúncio de divórcio e cancelamento de sócio campeão. Outros fazem protestos e demonstram revolta nas redes sociais. Uma indignação que se espalha como pólvora. A outra parte acha que deve se colaborar e ponto. Sem levar em consideração quem está no palanque.

O que me surpreende até agora a reação de quem se coloca a favor do evento e da presença do ex-presidente no ginásio do Brinco de Ouro. Existe uma mistura de desprezo a reação dos torcedores contrário ao evento e de cerceamento da opinião das pessoas. Aliás, alguns atuam como “fiscais de torcedores”. Ou seja, destilam ódio e recriminam quem exerce o direito legítimo de protestar. Não foram poucas as pessoas que nas redes sociais colocaram frases do tipo “se não quer ajudar que não atrapalhe”. Estes torcedores não entenderam que as pessoas querem ajudar. Mas jamais a custo tão alto.

Jair Bolsonaro vai passar por Campinas, subir no palanque, fazer um discurso, soltar vídeos e pequenas frases nas redes sociais e ir embora. Os organizadores vão dizer que o evento foi um sucesso, alguns vão agradecer aos “verdadeiros bugrinos” que colaboraram e os políticos envolvidos vão contabilizar o evento como exitoso. Duro é constatar que o espólio de discórdia, revolta e de traição de alma de torcedores já está feito e permanecerá por muito tempo.

E quem participa da vida política do Guarani no Conselho de Administração, Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal? O que se espera deles? Eu sinceramente espero que demonstrem um mínimo de empatia e respeito por quem protesta. Não somente pelo sofrimento na Série B do Campeonato Brasileiro, mas pelo inconformismo de verem um clube centenário e vencedor sendo utilizado como palanque político. E qual motivo em nutrir esta esperança? Porque família é, antes de tudo, amor, companheirismo e compreensão. Que os comandantes honrem aquilo que está no hino.

(Artigo escrito por Elias Aredes Junior- Foto arquivo Guarani F.C)

 

Ps: antes de qualquer reclamação, a posição deste portal sobre este tema é antiga. Só conferir aqui.