Artigo Especial: Guarani: passado, presente e futuro. Por Samir Cheida

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Novembro de 2024. O Guarani Futebol Clube mais uma vez foi rebaixado para a série C do Campeonato Brasileiro. No ano de maior orçamento da sua história, o time, em 50 jogos, conquistou apenas 10 vitórias e perdeu mais da metade das partidas, num aproveitamento pífio de 29% dos pontos disputados.

Os bugrinos, que já viveram as angústias de uma terceira divisão, buscam achar as razões da nova queda e perspectivas para os próximos anos. E se perguntam: quando é que nosso zagueiro vai parar de falhar no escanteio do adversário, e quando nosso centroavante vai voltar a fazer gol?Para entender o porquê desse novo fracasso, precisamos analisar a história recente do clube.

Passado

Em 2014, dez anos atrás, o Guarani renasceu das cinzas depois de quase falir. O maior símbolo da situação trágica do clube foi o dia 3 de setembro. Neste dia, os jogadores do Guarani ficaram esperando o então presidente do Guarani Álvaro Negrão quitar três meses de salários atrasados.

Liderados pelo ídolo Fumagalli, acreditaram na promessa do dirigente, e, pacientemente aguardaram no vestiário do clube. Uma, duas, três, quatro horas sentados.  Álvaro Negrão não apareceu, e além de deixar os jogadores na mão, renunciou ao cargo, deixando o clube à deriva no meio de tantos problemas.

O Guarani precisou vender o estádio em razão das dívidas de mais de 250 milhões de reais, acumuladas nas más administrações de Beto Zini e José Luis Lourencetti. O estádio foi a leilão para pagar jogadores e funcionários, que por anos trabalharam no clube sem receber pelos seus direitos, apenas pelo amor ao campeão brasileiro de 1978.

No primeiro leilão, o patrimônio foi vendido para uma empresa gaúcha, a Maxion Empreendimentos Imobiliário, que planejava demolir o Brinco de Ouro sem garantir um novo estádio ao Guarani. Com uma articulação do advogado Horley Senna, que depois viria a ser presidente do clube, com a juíza do Trabalho, Ana Cláudia Torres Vianna, responsável pelos processos, o Guarani conseguiu reverter a decisão e, então, escolher o comprador do estádio, a Magnum, de Roberto Graziano.

No acordo costurado pelo departamento jurídico do clube, o Brinco de Ouro permaneceria em pé até que outro estádio fosse construído pela empresa dos relógios. Dessa forma, o clube permanece até hoje com a sede intacta, e manda seus jogos no campo onde foi campeão brasileiro.

Com a venda do estádio e o trabalho árduo dos sócios do clube, o Guarani se levantou e chegou a uma importante estabilidade. Houve racionalização dos gastos, transparência nas contas do clube, e uma administração dividida entre os associados do clube, a empresa Magnum, e a Asa Alumínios, que, com Ricardo Moisés, chegou inclusive a assumir a presidência do clube em 2019. O time respondeu em campo, subiu para a série B em 2016 e para a série A1 do Paulista em 2018.

Presente

Porém, hoje, o modelo de administração do Guarani, muito longe de ser profissional, está em xeque.  Não há dúvidas que o trabalho feito pelos sócios e pelos empresários deram uma sobrevida ao clube após a perda do seu mais importante patrimônio. Mas o futebol de hoje precisa de muito mais do que a boa vontade de associados abnegados e de empresários que têm a bola como uma segunda atividade. Precisa de profissionais dedicados, com entendimento do esporte e competência no trabalho.

O Guarani ainda é um clube. Além do futebol, o presidente e o conselho de administração são responsáveis pela piscina, pela bocha, pelas quadras tênis, uma série de assuntos que não têm a competitividade do esporte mais rentável do país.

E quem chega ao conselho de administração para tomar as decisões sobre o futebol não chega por sua experiência ou competência em gerir o futebol. Chega pelo voto dos sócios do clube.

Os empresários da Magnum e da Asa Alumínio têm projetos esportivos secundários além das atividades principais. Roberto Graziano comanda a Gold Sport, responsável pelo futebol do clube São Bernardo, um clube que também está na terceira divisão do futebol nacional.

A Asa Alumínio, parceiro importante das categorias de base e da reforma do Brinco de Ouro, não tem em seu quadro de funcionários especialista em bola, o que talvez explique as contratações aprovadas por Ricardo Moisés no começo de 2024.

Sem conhecimento técnico, sócios do clube e empresários de outros ramos foram responsáveis pela contratação de:

  1. Zagueiros que batem cabeça com o goleiro, deixando a bola entrar numa cobrança de escanteio;
  2. Laterais que não sabem cruzar bolas na área, mesmo com um centroavante artilheiro da série B e escolhido para a seleção do campeonato;
  3. Volantes que deixam a cabeça de área livre para o atacante adversário fazer o arremate;
  4. Pontas que não conseguem alcançar o lançamento feito pelos poucos jogadores de qualidade da equipe, e que ainda por cima fazem pênaltis infantis jogando fora um resultado de um jogo praticamente ganho.
  5. Jogadores que mal entraram porque não tinham condições físicas para entrar em campo, devido a contusões crônicas sem possibilidade de probabilidade de cura.

Futuro

A SAF pode ser uma saída? Penso que sim. As Sociedades Anônimas de Futebol estão presentes no Brasil em 63 clubes, com bons exemplos e também decepções. Quando não houve uma priorização do futebol, clubes como Botafogo de Ribeirão Preto, Coritiba, Vasco da Gama conquistaram resultados aquém dos investimentos. Entretanto, todos esses clubes, hoje, se encontram numa situação melhor que a do Guarani, logo, para voltar a competir em alto nível, a SAF parece ser inevitável.

Os bons exemplos de SAF investiram em estrutura. Em categorias de base, algo que o Guarani já teve como destaque e hoje não consegue revelar bons jogadores. Profissionalizaram os departamentos financeiro, jurídico e de marketing. Renegociaram dívidas, buscaram novas fontes de receita. E o carro chefe, a prioridade, foi o futebol. Cruzeiro e Botafogo parecem os melhores exemplos, inclusive porque frequentaram a série B em anos recentes junto com o Guarani.

Há exemplos de boa gestão em alguns clubes que não se tornaram SAF, com destaque para Palmeiras e Fortaleza. Cito o Palmeiras, pois houve uma revolução na sua categoria de base, e hoje além de ganhar a maioria dos campeonatos, vende jogadores como Endrick e Estevão por milhões. E falo do Fortaleza, pois é um clube fora do grande centro que permanece na primeira divisão há muitos anos e hoje disputa o topo do campeonato brasileiro com as grandes forças do país.

O Brinco de Ouro, que ainda está em pé, pode também ser um ativo importante. O América de Minas se reconstruiu alugando o estádio Independência para Cruzeiro e Atlético Mineiro. Com a quantidade de shows programados para o Morumbi e para o Allianz Parque, o estádio, que é visto com bons olhos pelos torcedores e pela imprensa, pode trazer receitas e, por que não, ser usado como moeda de troca para trazer know-how para gestão das categorias de base.

A bola entra de fora para dentro. A frase proferida por Luciano Paciello, diretor financeiro do Palmeiras na reconstrução feita por Paulo Nobre também há 10 anos, faz bastante sentido no atual momento do único campeão brasileiro do interior.

O Guarani precisa se adaptar aos novos tempos, compreender como se dá o mundo do futebol hoje e se profissionalizar para poder competir com efetividade nos campeonatos que disputa. E, aí, sim, trazer novas perspectivas para os apaixonados bugrinos. A história do Guarani é gloriosa, mas ao mesmo tempo tem inúmeros capítulos que entristecem o seu torcedor. Um presente com olhos no futuro é a saída para que as vitórias não fiquem apenas no passado.

Artigo de autoria de Samir S. Cheida- Torcedor do Guarani e diretor do documentário Bugrinos- Especial para o Só Dérbi