Artigo Especial: Protestos da NBA poderiam se espalhar no futebol brasileiro como uma pandemia . Por Thiago Varella

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  1. *Por Thiago Varella

Antes de começar a ler este texto, você, amigo leitor, precisa saber de duas coisas. A primeira é que os eventos seguem ocorrendo enquanto estou escrevendo, o que significa que, no momento em que você estiver lendo, muita coisa nova pode ter acontecido. A segunda é que sou um homem branco e de classe média.

Não sei se você gosta de basquete ou da NBA, mas, hoje, 26 de agosto de 2020, é um dia histórico para o esporte mundial. Jogadores do Milwaukee Bucks, time que terminou o temporada regular na liderança da classificação geral da NBA, não entraram em quadra para o jogo 4 da primeira rodada dos playoffs da Conferência Leste, contra o Orlando Magic.

Esses atletas lideraram um boicote. Praticamente uma greve. E o motivo é alheio ao esporte e é político. Veja bem, não disse que é partidário. Eles se recusaram a jogar em protesto contra um novo caso de violência policial ocorrido nos Estados Unidos.

Jacob Blake, um cidadão negro e desarmado, levou sete tiros nas costas disparados por um policial branco, em Kenosha, no Wisconsin, mesmo estado dos Bucks. O homem estava com seus filhos e tentava separar a briga entre duas mulheres. Nada justifica esse tipo de violência.

A NBA, desde que retomou os jogos durante a pandemia na chamada “bolha” formada em um complexo esportivo na Disney, na Flórida, vem se preocupando protestar contra o racismo. Em todas as quadras estão os dizeres ‘Vidas Negras Importam’, nas costas dos jogadores estão mensagens políticas, os técnicos também trazem mensagem no uniforme e todos se ajoelham durante o hino nacional.

Mas, depois de mais um caso brutal de violência contra um cidadão negro, os jogadores decidiram que era preciso algo mais. Atletas da NBA são grandes estrelas, megacelebridades que ganham rios de dinheiro e tem espaço garantido na mídia. Claro que poderiam, como tantos outros famosos, se omitir em questões políticas. Mas os jogadores do Bucks mostraram que podem interferir na vida da sociedade de seu país.

Isso é memorável. Os jogadores ficaram dentro do vestiário, não desceram para a quadra e conseguiram, na base da pressão, uma audiência remota com o procurador-geral e a vice-governadora de Wisconsin.

A atitude dos jogadores do Bucks fizeram com que os outros dois jogos de playoffs da NBA marcados para hoje também fossem boicotados. Técnicos, estrelas de outros times já eliminados, a associação de árbitros, ex-atletas e até alguns cartolas –como os donos dos Bucks– estão apoiando a paralisação.

Pelo menos um jogo da liga da beisebol, a MLB, também sofreu boicote de jogadores. Pelo jeito, vai ser uma epidemia.

Vivemos em um país tão racista quanto os EUA, com uma polícia ainda mais brutal, com inúmeros casos de abusos contra negros e pobres. Entre janeiro e abril deste ano a polícia matou 119 pessoas em São Paulo. Um deles foi o jovem negro Guilherme Silva Guedes, de 15 anos, que sumiu na zona sul da capital paulista e foi encontrado morto em Diadema com dois tiros.

Em São Gonçalo, no Rio, João Pedro Matos Pinto, de 14 anos, foi morto com um tiro na barriga durante uma operação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil no Complexo do Salgueiro. Ele ficou desaparecido por horas e só foi encontrado quando seu corpo já estava no Instituto Médico Legal.

Se eu for citar todos os casos, esse texto vai ficar gigante. Fico imaginando e sonhando com um boicote liderado pelos jogadores de futebol brasileiros. Imagina só os atletas do Flamengo entocados no vestiário do Maracanã exigindo falar com o Secretário de Segurança do Rio. Ou os do Corinthians fazendo o mesmo em São Paulo.

Jogadores de futebol também fazem parte dessa mesma sociedade que permite que a população negra seja exterminada pela polícia, pelo tráfico e por todos os lados. Muitos saíram das favelas e conhecem histórias assombrosas de violência que ocorreram com amigos, parentes ou com eles mesmos antes da ascensão social propiciada pelo esporte. No Brasil, tivemos movimentos políticos como a Democracia Corintiana. E, no passado, times e jogadores lutaram para incluir atletas negros nas partidas.

Por isso, acredito que essa atitude que começou lá nos EUA possa se propagar como uma pandemia de consciência pelo mundo todo. E que pouse por aqui. Estamos precisando urgente dessa conscientização.

(*Thiago Varella é jornalista e coordenador de conteúdo da Rádio Brasil de Campinas)

Nota: Elias Aredes Junior, responsável por este Só Dérbi acredita que o racismo e o preconceito só vão acabar com a efetiva colaboração e conscientização da população branca. Um texto como este é de uma preciosidade que não há como medir. E sempre abriremos espaço quando for necessário.