Campinas completa 242 anos nesta quinta-feira, dia 14 de julho. Uma cidade cosmopolita, moderna, multifacetada e cheia de problemas e desafios. Tem patrimônios como a Unicamp, PUC-Campinas ou institutos como a CATI e o Laboratório de Luz Sincroton.
Não é a segunda maior cidade paulista de fato – Guarulhos é mais populoso – mas é de direito. Seu povo não é mais formado pelo genuíno campineiro, responsável por formatar um espírito provinciano capaz de acolher e afastar.
Impossível ignorar o futebol neste cenário. Ponte Preta e Guarani são símbolos e embaixadores da Terra das Andorinhas para o país inteiro. Seus feitos, conquistas, vitórias e acontecimentos são eternizados na história do futebol e fixam uma memória afetiva.
Bugrinos e pontepretanos deveriam abrigar em suas arquibancadas um mosaico presente nas ruas, avenidas, bairros, estabelecimentos comerciais e que exibem uma complexidade díficil de assimilar. Talvez nem os docentes e catedráticos decifrem. Mesmo assim, estas duas equipes centenárias podem e devem contribuir para que Campinas seja um local mais solidário, amoroso e inclusivo para se viver. Como?
O passo inicial é transformar o futebol em um espaço de todos e para todos. De acordo com dados do IBGE, Campinas tem 1.164.098 habitantes. Desse total, 9,83% do total, ou 114.430 pessoas vivem em situação de pobreza declarada, ou seja, não tem condições básicas para comer e usufruir dos serviços oferecidos pelo poder privado e público.
Outras 84.862 pessoas, ou 7,29% enfrentam uma situação de pobreza subjetiva. Ou seja, são pessoas que sobrevivem, pagam suas contas básicas, mas sem força para avançar e sobreviverem de modo digno. Em condições normais, esta deveria ser o campo de atuação de pontepretanos e bugrinos.
Afinal de contas, foram as classes populares aquelas que foram protagonistas para transformarem o futebol em um esporte popular, milionário e impactante na sociedade e nos meios de comunicação. Você, bugrino e pontepretano e que até os dias atuais frequenta os estádios Brinco de Ouro e Moisés Lucarelli responda: o povão está nas arquibancadas? O excluído, o sofrido, ou aquele que tem dinheiro as vezes apenas para passagem, ingresso e uma pipoca vibra contigo durante as partidas?
Faça um recorte mais profundo e verifique a Pesquisa Nacional de Amostra de Domícilios de 2005. Ali, existe a revelação de que a região metropolitana de Campinas tem 20,7% de habitantes negros ou pardos. Um contingente bem abaixo da taxa do estado de São Paulo, que é de 30,9%. Detalhe: como a pesquisa tem 11 anos, não é delirio imaginar um crescimento de tal contingente. Integrantes do movimento negro apontam outro problema: muitas vezes a pessoa não se reconhece como negro ao entrevistador, o que prejudica o resultado final.
Mesmo assim, se levarmos em conta as estatisticas oficiais, as 19 cidades da região metropolitana de Campinas, a população negra ficaria em no minimo 1.116.559 habitantes. Se levarmos em conta apenas a cidade de Campinas, são 240.968. Desse total, 27,5% são crianças de 0 a 14 anos. Um potencial de consumidores sem fim.
Pergunta: Ponte Preta e Guarani são clubes marcados pela diversidade? O branco, negro, homossexual e qualquer minoria sentam em suas arquibancadas? Entendem que as equipes são patrimônios da cidade e parte de sua identidade? Estão integrados e de direito não só as cidades, mas aos clubes locais?
Ou o futebol decidiu trilhar um caminho para atender apenas as classes A e B? De acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas, Campinas tem 349.229 habitantes inseridos nas classes A e B, ou seja pessoas que ganham no mínimo R$ 7880 para se encontrarem na classe B e ou acima de R$ 15.760 para fincar raízes no topo da pirâmide, segundo dados do IBGE. Pense, olhe para as arquibancadas e responda para si mesmo.
Ponte Preta e Guarani provocam um questionamento que é válido para todos os setores: Campinas pertence a todos ou a uma parte? O futebol é um bem social compartilhado sem ligar para poder aquisitivo ou de classe social ou transformou-se em luxo? Campinas merece todos os cumprimentos possíveis. Isto, porém, não pode nos eximir de apontar a necessidade da própria cidade nos encaminhar presentes preciosos nos próximos anos: a inclusão social, a luta contra o racismo, a integração entre as classes sociais e o exercício pleno da cidadania. E Ponte Preta e Guarani podem e devem colaborar para a confecção deste pacote saboroso.
(análise, texto e reportagem de Elias Aredes Junior)