O exercício do poder é revigorante. Tem aroma afrodisiaco. Faz com que qualquer um pense que pode alcançar niveis que jamais chegaria na condição de reles mortal. Não existe representação mais cristalina de força e poder do que a figura do rei. Ele está destinado a ocupar este papel. Preenche o lugar designado pelo povo. Existem diversos estilos de reinado. A história tem exemplos de reis sanguinários. Tem os Reis falhos, humanos, com atitudes lamentáveis, como o Rei Davi, capaz de dar uma cravo e na ferradura e ficar submetido a vontade de Deus.
Existem aqueles Reis dotados de sabedoria, como o Rei Salomão. Temos os reis com carisma, aqueles que magnetiza o seu povo. Diana Spencer não foi uma rainha ou princesa de sangue nobre. Soube como poucas exercer o seu reinado de modo pleno. Seu falecimento em 1997 produziu uma lacuna que até hoje a família real inglesa não amenizou. A mesma família real britânica que foi palco de uma história de grande cunho humano e retratado no filme “O discurso do Rei”, de 2010.
Nesta obra, o principe Príncipe Albert, Duque de York, segundo filho do Rei George V, enfrenta problemas para se pronunciar em publico por causa de sua gagueira. O Príncipe tenta vários métodos de tratamento até desistir, porém sua esposa o convence a visitar Lionel Logue, um terapeuta de fala australiano que mora em Londres, Logue. Anos depois, este profissional precisa voltar a cena pois Albert sobe ao trono e vira o Rei George VI, que anos depois teve protagonismo em um discurso que teve papel na Segunda Guerra Mundial.
O futebol também tem seus reis. O maior de todos é Edson Arantes do Nascimento. Pelé. Único. Soberbo. Inigualável. A Rainha Marta, vencedora por seis vezes da premiação da Fifa é outro modelo de soberania.
Presidente de clube de futebol não tem o título, mas recebe por parte da torcida a esperança e a crença de que seus poderes são capazes de transformar tudo em um passe de mágica. Como um rei.
Juvenal Juvêncio, com suas tiradas e atos folclóricos, conquistou tudo que poderia um cartola. Rei do Morumbi. O Corinthians tem em Vicente Matheus um modelo do reinado de austeridade. O rei que atravessou um periodo de guerra, sem vencer uma batalha por 23 anos. Levou o povo a outra margem do rio. Pode passar o tempo e as pessoas desaparecerem, mas Alexandre Kalil será para reconhecido como o presidente do Atlético Mineiro que faturou a Copa Libertadores e a Copa do Brasil, um Rei sem coroa. Toda torcida quer seu rei. Quer se sentir protegido.
A Ponte Preta, a sua torcida buscam desesperadamente por um Rei. Um rei para uma nação com um povo apaixonado e instigante.
Pela visão deste torcedor, o mês de novembro de 2021 foi a libertação após um periodo de falta de acesso ao seu próprio território.
Todos acreditaram que, assim como na novela “Que Rei Sou Eu?”, de autoria de Cassiano Gabus Mendes em 1989, o povo participou de um levante para tomar o poder e dar posse a um Rei com o perfil de Jean Pierre, personagem interpretado pelo ator Edson Celulari e que tinha como mote central de sua história a sua luta para comprovar de que era um herdeiro legitimo do trono deixado por Petrus III, interpretado por Gianfrancesco Guarnieri. Hoje, a ficção inspira a vida real.
Sim, esse torcedor demonstrou capacidade de perdoar. Compreendeu as desventuras do paulistão do ano passado, estendeu a mão nas horas mais dificéis da Série B de 2022 e culpava muito mais o passado do que o presente. A Ponte Preta em primeiro lugar.
O Rei parecia consagrado após a conquista da Série A-2. Os banquetes, as taças de vinho levantadas ao vento, tudo conduzia para um final feliz. Até que veio a Série B de 2023.
O Rei teve sua sua coroa contestada. Sua capacidade de vencer batalhas contra oponentes ardilosos foi colocada em dúvida. O empate sem gols contra o ABC (RN) demonstrou que o povo, aquela massa apaixonada e sedenta por esperança já não via no trono um rei altivo, sorridente, capaz de transmitir novos tempos. O povo só vê tristeza e decepção. E desesperança.
Na novela da vida e do futebol, os torcedores são os autores do roteiro. Em tempo real. Os 11 pontos e a proximidade da zona do rebaixamento na Série B fizeram com que os autores desta história desejassem uma mudança de rumo.
Quem está como Rei, para eles, agora não pode ser nada mais, nada menos do que o bruxo Ravengar, o conselheiro do Rei com muitos poderes mas que queria utilizá-los não para dar assistência ao novo Rei e sim para escolher o novo soberano, que na novela, era um andarilho de nome Pichot, mas que não tinha direito.
O cenário é dinâmico. Muda a cada instante. O conselheiro do Rei de hoje pode virar o inimigo de amanhã. Quem é bruxo pode virar rei novamente. Reis tidos como impostores exibem potencial para virar o jogo . Claro, desde que os súditos queiram alterar a sinopse dessa novela encenada nos gramados.
Um cenário que provoca uma pergunta nos súditores pontepretanos: “Que Rei nós temos?”. Eles nem esperam a respostas. Eles só desejam que o Reino da Ponte Preta não seja um novo exemplar do Reino de Avilan, um país fictício sem destino e a beira do precipício. Nome do vale ? Série C. Ninguém quer uma coroa de lata.
(Elias Aredes Junior-Com foto de Diego Almeida-Pontepress)