Filmes se constituem em traduções do nosso tempo. Traduzem comportamentos, tendências e impressões pessoais e coletivas. Para quem tem mais de 40 anos, um destes ícones é “Feitiço do tempo”, feito em 1993 e estrelado por Bill Murray. Ali, um repórter de televisão que faz previsões de metereologia vai a uma pequena cidade fazer uma matéria especial sobre o celebrado “Dia da marmota”.
Detalhe: ele não queria estar neste trabalho. Como queria ir embora o mais rápido possível, sua determinação era fazer o trabalho no menor tempo possível. Só que inexplicavelmente ele fica preso no tempo, condenado a vivenciar para sempre os eventos daquele dia. Ou seja, independente daquilo que acontece ao redor, o seu destino é ficar encastelado com aquelas mesmas pessoas e cenário.
Ao rever a película, é impossível deixar de fazer uma associação com o futebol de Campinas. Hipnotizados e inebriados por uma época que não volta mais ou ao rodar em círculos sem avançar em diversas questões, o futebol campineiro também está refém de um “Feitiço do Tempo”, sem força para pensar e sonhar em projetos ousados e ambiciosos. Não se iluda: a poção enfeitiçou tanto o estádio Brinco de Ouro como o Moisés Lucarelli. Não há despertador que faça acordar.
Guarani e o passado glorioso como prisão
Destruído financeiramente e prestes a entregar o seu estádio, o Guarani, bem ou mal, está enfeitiçado erroneamente pelo seu passado. O título brasileiro de 1978, a Taça de Prata de 1981 e os vices brasileiros de 1986 e 1987 são feitos que devem ser diuturnamente celebrados. Isso não quer dizer que deve existir a produção de um cadeado pronto a bloquear o futuro. Ou seja, só existem glórias do passado e nada mais.
Aqui e ali a referência é Beto Zini ou Leonel Martins de Oliveira, presidentes com grande cota de colaboração para a construção da grandeza do Guarani, mas cujo o ápice registrou-se nas décadas de 1970 e 1980. Mesmo Horley Senna, prestes a sair do clube sem nenhum rebaixamento e com acesso na conta, neste período de mandato foi incapaz de introduzir e trocar ideias modernizadoras com outros clubes e dirigentes de futebol. Potências de porte médio que deram um salto de qualidade e ficaram conectados com a realidade. A estrutura melhorou? Sim, sem dúvida. Mas muito longe do ideal. Pior: não há oposição, seja integrada ou não ao clube mentes dispostas a aprender aquilo que já se faz em outras praças. O passado e a paixão são sócios majoritários.
A qualquer cobrança a resposta de Horley Senna é que o Guarani é a “maior torcida do interior do Brasil” ou que uma agulhada no maior rival. Nada contra, mas tal postura é típico do século passado. Ou de quem está preso pelo feitiço do tempo. Aos trancos e barrancos e graças a força das arquibancadas foi possível chegar ao acesso. No entanto, é preciso dizer às claras: em 2017, o Guarani, com métodos de gestão e procedimento vai disputar uma competição nacional em que mesmo os coadjuvantes estão no Século 21. É preciso quebrar o encanto maligno.
Arena, Falta de ambição…E o tempo passa na Ponte Preta
Missão que deveria ser encampada pelos dirigentes da Ponte Preta. Assim como o repórter do filme, eles se encontram hipnotizados pelo feitiço do tempo. Em outro estágio, mas estão.
A Macaca evoluiu em termos administrativos? Sim. A estrutura está mais azeitada? Com certeza. Mas é inacreditável averiguar o medo de dar um passo a frente, de pelo tentar algo a mais. Um comportamento típico de uma equipe média ou pequena da década de 1980. Ou de 1990. Olhar ao redor e perceber a evolução de um Atlético Paranaense e do crescimento paulatino e seguro da Chapecoense são provas de que o encanto negativo não foi quebrado no estádio Moisés Lucarelli.
A “magia do tempo” acometeu a viabilização da arena. Neste caso, a Ponte Preta parece refém de um tempo apenas de discussões, teorias, análises e sem sair da parte prática. Uma paralisação do tempo especialista em atrapalhar o futuro e detonar a esperança.
Quando é cobrada sobre o assunto, a justificativa dada pelos dirigentes é de que potenciais empreiteiras foram vitimadas pela Lava Jato e assim fica difícil encontrar parceiros. E nos anos anteriores? Só poderia ser no Jardim Eulina? Mais: como explicar que o Palmeiras já tem sua arena e o Grêmio já abandonou o Estádio Olímpico? E o que foi feito no Atlético-PR?
Poderia citar outros exemplos de atraso no tempo de dirigentes bugrinos e pontepretanos. Eles vão negar. No fundo, no fundo, eles sabem que assim como no filme de Bill Murray, sempre que o relógio tocar para o despertar de um novo dia, eles sempre estarão presos em algum dia das décadas de 1970, 1980 ou 1990. Para as duas torcidas, o Século 21 começou há muito tempo. Pena que as dependências com ar condicionado não compreendam.
(análise feita por Elias Aredes Junior)