Em entrevista, especialista em violência no futebol afirma: adotar torcida única é produzir paz no cemitério

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Estudioso da violência que assola o futebol há 26 anos, o sociólogo Maurício Murad não tem medo em afirmar que as confusões registradas antes do dérbi entre Guarani e Ponte Preta tem relação direta com as medidas adotadas pelas autoridades, especialmente o conceito de torcida única. Nesta entrevista ao portal Só Dérbi, o professor Universidade Salgado de Oliveira (Universo) aponta caminhos para que os próximos clássicos ocorram em paz. Confira:

Só Dérbi – Já tivemos o registro de muitas confusões pelas ruas de Campinas, apesar da decretação de torcida única. Se a estratégia demonstra que não tem resultado por que as autoridades insistem na estratégia?

Maurício Murad- “Porque não tem políticas públicas eficientes e ficam repetindo estas medidas que estão comprovadamente ineficazes. É uma coisa impressionante, porque uma medida repetida muitas e muitas vezes ou não foi implementada ou não é eficaz. As autoridades não fazem autocritica disso. Pelas pesquisas que eu coordeno, mais de 90% das ocorrências acontecem fora dos estádios.

Não adianta torcida única. Elas têm o habito de brigar entre elas. Elas se espalham pela cidades e barbarizam os bairros, as ruas e as periferias. Porque existem gangues infiltradas nas torcidas. E, ao invés das autoridades usarem pesquisas científicas e adotarem um plano de curto, médio e longo prazo, para reprimir por intermédio de um trabalho de inteligência, elas ficam com essas medidas retumbantes para dar uma resposta a opinião pública.

Já se comprovou no Brasil, Itália, Argentina que torcida única não resolve. Além de matar a cultura do futebol, é uma decretação de falência da autoridade pública. Porque passa uma mensagem aos arruaceiros e aos vândalos de que o estado e as autoridades públicas abriram mão de assegurar um direito constitucional, que é o da segurança. E isso é estimulante para novos delitos”.

Só Dérbi – As duas equipes não se encontram há cinco anos. A decretação de jogo com torcida única e as confusões registradas pela cidade tem relação direta com a medida?

Maurício Murad – “Um dérbi tão intenso como esse de Campinas, cuja rivalidade é histórica, fica acumulada pelo fato do jogo não acontecer. Se ocorresse, isto seria extravasado. Mas o problema principal é a falta de uma política pública, estratégica, de controle das torcidas. O futebol é fenômeno social de multidão. E ali tudo acentua e exacerba.

Quem lida com multidão precisa conhecer, estudar e pesquisar. São necessárias medidas preventivas de médio prazo, medidas educativas. Não são as torcidas como um todo que praticam vandalismo e delinquência, mas são grupos infiltrados.

Falta planejamento e o envolvimento dos clubes, da polícia e das autoridades. E não essas medidas imediatas. Infelizmente, as autoridades sempre acham que tudo é resolvido em uma canetada. Ficamos enxugando gelo e a medida mostra a realidade de uma maneira virulenta. As autoridades não aprendem. Pesquisadores fazem trabalhos interessantes e as autoridades passam por cima.

É por esses fatos que pelas pesquisas que eu coordeno, o Brasil é desde 2009 o campeão mundial por mortes entre torcidas organizadas”.

Só Dérbi – De que maneira a imprensa pode colaborar para diminuir os índices de violência entre torcidas?

Maurício Murad  “Os meios de comunicação de Campinas e do Brasil devem cobrar das autoridades identifiquem os malfeitores e punam nos termos da lei até as últimas consequências. Nos últimos quatro anos, somente 3% dos delitos ocorridos no foram solucionados e punidos. A imprensa pode e deve denunciar, exigir que as autoridades apresentem uma política publica sustentável e que se renove a cada mudança de realidade. ,

Hoje temos dois modelos: a torcida única que fere de morte a cultura do futebol e a do Rio Grande do Sul com a torcida mista e que tem um caráter educativo. É preciso um envolvimento das autoridades para assegurar a participação do torcedor do bem. Quem for do bem e quiser participar desta cruzada pela paz nos estádios e de entender que adversário não é inimigo que seja bem vindo. E quem não entender que seja reprimido nos termos da lei. Isso que a imprensa tem que cobrar.

As autoridades de São Paulo costumam festejar porque os índices de violência única baixaram com a torcida única. Mas é a paz dos cemitérios. Se você retira todo mundo, é lógico que você diminui a violência. Mas isso não significa que a violência não se espalhou. Ela sai dos estádios e se espalhou. No Rio Grande do Sul, também houve diminuição da violência, mas sem agredir a cultura do futebol”.

Só Dérbi – Eu posso deduzir, então, que é incorreto criminalizar a torcida organizada?

Maurício Murad – “Exatamente. Quando eu coloco torcida única isto é uma passo para adiante criminalizar as torcidas. Nas pesquisas, eu constato que a imensa maioria é do bem. Um grupo de 5% dos membros que são vândalos e arruaceiros, porque tem link com o tráfico de drogas, tráfico de armas. Uma política pública responsável você deve matar o carrapato e não o gado. E eles fazem o contrário. Política pública precisa separar o joio do trigo e preservar a maioria do bem”.

(texto e reportagem: Elias Aredes Junior)