Especial: Como o futebol campineiro se aproximou do abismo da Série C?

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Nas décadas de 1970, 1980 e 1990 existia uma máxima: era difícil jogar em Campinas. O Guarani era uma máquina de revelar atacantes do porte de Careca, Evair, Amoroso e Luizão. A Ponte Preta exibia talentos do porte de Oscar, Carlos Ganso, Juninho Fonseca, Odirlei e Osvaldo. No banco de reservas, nomes como Carlos Alberto Silva, Zé Duarte, Cilinho e Jair Picerni assombravam o país com façanhas que pareciam infinitas. A Macaca com vice-campeonatos em 1970, 1977, 1979 e 1981. O Guarani por levantar a taça de Campeão Brasileiro de 1978 e da Taça de Prata de 1981. Em 1999, foi a última vez que ambos terminaram entre os oito primeiros colocados no Brasileirão. Hoje, nutrem a possibilidade de disputarem o Dérbi na Série C do Campeonato Brasileiro em 2025. O que deu errado?
Tem gente que não gosta do tema, foge da realidade, mas os clubes trocaram a bola pela política. Como um cupim que corrói um armário valioso, as disputas entre dirigentes e os arroubos de vaidade colaboraram para destruir boa parte do legado de duas marcas centenárias.

O COMEÇO DA CONFUSÃO NA PONTE PRETA
Na Ponte Preta, tudo começou em 1996. O estopim foi a eleição do fisioterapeuta Nivaldo Baldo e a escolha de seu vice Sérgio Carnielli. Passado alguns meses, Baldo retirou-se de cena e abriu espaço para Carnielli assumir o poder. Meses depois, o empresário chamou Marco Antonio Eberlin para assumir o comando do futebol. Eberlin era uma cria do futebol amador local. Tudo foi bem até 2006, quando Eberlin saiu de cena e virou opositor a administração de Carnielli. Foi uma guerra forjada no silêncio. Em 2011, uma denúncia dos oposicionistas, confirmada depois pela Justiça, de que Carnielli utilizou os serviços de um contador que era ligado ao clube para fazer o balanço financeiro da Macaca, provocou o seu afastamento do poder e uma sequência de indicações para a presidência: Márcio Della Volpe, Vanderlei Pereira, José Armando Abdalla Junior e Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho. Todos em determinado momento rompiam com Carnielli. Isto abria um espiral de dúvidas e incertezas na condução do clube. Tiãozinho, no entanto, mesmo que discretamente, apoiou a chapa de oposição em 2021 e destronou Carnielli em definitivo do poder, mesmo que indiretamente. Resultado: enquanto esta comédia de erros ocorria nos bastidores, o time degringolava.

A Macaca foi rebaixada no Brasileirão dos anos de 2006,2013 e 2017 e acostumou-se a ser coadjuvante na Série B, apesar de alguns instantes de felicidade como os acessos em 2011 e 2014 e o vice-campeonato da Copa Sul-Americana de 2013.
A vitória da então oposição em 2021 transformou tempo nublado em tempestade. Rebaixamento no Paulistão de 2022, campanhas modestas na segundona dos anos de 2022 (49 pontos) e 2023 (42 pontos), pareciam pressentir o pior. Ele veio com a campanha na atual Série B. O atual presidente, Marco Antonio Eberlin, reforça que problemas administrativos e financeiros das gestões anteriores atrapalham a sua gestão e a obtenção de recursos. A atual oposição retruca e diz que o dirigente fechou o clube para o contraditório. Parte da torcida presente nas redes sociais concorda com a opinião dos oposicionistas. Eberlin diz que a arquibancada está com ele. Enquanto isso, o clube definha.

EM 124 ANOS, A PONTE PRETA É A MESMA

No fundo, o que os dirigentes pontepretanos fazem é fugir da realidade. Um colega jornalista de São Paulo conversou recentemente com Nelsinho Baptista, criado como jogador da Ponte Preta e treinador do clube em 4 oportunidades, sendo a última há poucos meses. Ele questionou sobre a calamitosa situação do clube. A resposta foi emblemática. Nelsinho teria dito a seguinte frase “ A Ponte Preta é a mesma desde 1967”.
O experiente técnico escancara o óbvio. Estamos diante de uma instituição cravada no passado.
Se as antigas administrações não fizeram nada para inserir o clube em um cenário de modernidade, a atual gestão bate no peito com orgulho de ser a representação de um passado que já não existe no futebol. Marco Antônio Eberlin, atual presidente, é um reacionário da bola. Se existisse a cura para o mal que assola a Ponte, ele seria anti-vacina.
Um campeonato como a Série C é o cenário mais próximo que remete a um passado onde Eberlin gostaria de estar. Campos irregulares, jogadores brucutus, jogos longe da grade de transmissões, onde a modernidade passa longe. É como se uma fresta do passado se abrisse diante do dirigente pontepretano. Uma oportunidade única de estar onde ele poderá reinar, se orgulhando de ser um exímio montador de times que ninguém quer ver jogar. A cise parece perene.
GUARANI E A GUERRA ETERNA
No Guarani, pode-se dizer que a vaidade dos dirigentes atrapalha o clube há pelo menos 36 anos. A rivalidade inicial foi entre os ex-presidentes Leonel Martins de Oliveira e Luiz Roberto Zini, que virou presidente em 1988. Este último saiu do poder no começo de 1999 e abriu espaço para José Luiz Lourencetti, que colecionou rebaixamentos: Campeonato Paulista de 2001, Torneio Rio São Paulo de 2002 e Brasileirão de 2004. Como um autêntico Salvador da Pátria, Leonel Martins de Oliveira retornou em 2006 e não evitou novas quedas: novos rebaixamentos na Série B de 2006 e no campeonato brasileiro de 2010, após dois acessos consecutivos nas Séries C e B. Acabou? Nada disso. Leonel saiu de cena, mas novos rebaixamentos foram registrados na Série B de 2012 e no Paulistão de 2013. O bugre obteve acessos na Série C de 2016 e na Série A-2 do 2018 e tudo parecia que permaneceria tranquilo, apesar da venda em 2015 do estádio Brinco de Ouro para o empresário Roberto Graziano, que ainda não entregou o novo estádio previsto em sentença judicial.

Em 2023, após exercer a presidência do Guarani, o empresário Ricardo Moisés apoiou o cunhado André Marconatto e aceitou ser o CEO da equipe. Deu tudo errado. O time caiu de ponta a cabeça e após escapar por milagre do rebaixamento no Paulistão deste ano, já está virtualmente rebaixado. O afastamento por problema de saúde de André Marconatto e a subida ao poder do empresário Rômulo Amaro é insuficiente para uma reviravolta.

ENREDO DE HORROR
A dupla campineira vive um enredo de horror. Os 38 pontos da Ponte Preta e os 31 pontos do lanterna Guarani são o reflexo de anos e anos de atraso administrativo, de guerras políticas inconsequentes e montagens de equipes limitados. Sem contar as categorias de base sucateadas e incapazes de revelar talentos de ponta.
Em qualquer empresa séria, os gestores dos dois clubes seriam trocados ou cobrados de maneira veemente. No Brasil, é diferente. Um antigo dirigente do futebol campineiro diz que “o que acontece no futebol, fica no futebol”. Ele está errado. O que acontece no futebol não fica no futebol e sim nas costas do torcedor que frequenta as arquibancadas. Bugrinos e pontepretanos terão que pagar a conta. Que será amarga.

* Elias Aredes Junior é jornalista, comentarista na Rádio Brasil Campinas e sobrinho do Samuel Pompêo, bugrino e de Enoch Aredes, Oady Aredes, Nabal Aredes e Francisco Aredes, todos pontepretanos

Paulo do Valle é jornalista, repórter na Rádio Bandeirantes de São Paulo e neto de Luciano do Valle e José Carlos Scolfaro, ambos pontepretanos