Ao realizarmos a leitura do livro “A violência no futebol – Novas pesquisas, novas ideias, novas propostas”, de autoria do sociólogo Mauricio Murad, ganhamos argumentos para chegar a conclusão de que a metodologia da torcida única pode produzir efeitos imediatos em curto prazo, mas a sensação de bem estar é efêmera e esconde o fato de que o poder público que é incapaz de investir mais e melhor na construção de uma política de segurança que proporcione paz duradoura.
As torcidas contêm elementos nocivos, mas a sua atuação negativa é proporcionada por um Estado incompetente no trabalho de prevenção e investigação. Ou seja, ao decretarem os débria com torcida única, as autoridades competentes só querem desviar o foco do principal: investe-se mal no trabalho de combate aos indivíduos nocivos das torcidas organizadas.
No seu livro, o sociólogo traz dados alarmantes e que servem de reflexão. O primeiro é que de todos os crimes investigados pela Polícia apenas 3% tem seus inquéritos concluídos e seus autores penalizados. Ora, como pedir que na questão da violência no futebol, o quadro fosse diferente? Pior: o nosso investimento em segurança pública caiu drasticamente. Em 2015 foram R$ 277 bilhões, ou o equivalente a 4,7% do PIB. Já chegamos a 7% no período de 2009 a 2014. Pior: dos R$ 277 bilhões, apenas R$ 66,5% foram gastos com prevenção, que tem um custo sete vezes menor. Uma tragédia. Que tem reflexo no futebol.
Claro, os efeitos são sentidos no futebol, em que 117 mortes foram registradas até 2016 e, desse total 68,8% das vitímas foram de torcedores sem vinculação orgânica com os responsáveis pelos atos de vandalismo. Ou seja, a ausência de um trabalho de inteligência efetivo que iniba tais ações é algo escancarado.
Um detalhe não pode passar despercebido: 90% dos conflitos entre grupos de torcedores acontecem fora das praças esportivas, em locais distantes e em dias e horários diferentes dos jogos. Ou seja, o dérbi de torcida única poderá resolver a situação no dia do jogo, mas as mazelas continuarão. Detalhe: apenas 6% dos componentes de torcidas organizadas são protagonistas dos atos de vandalismo e entre 2015 e 2016, de acordo com a pesquisa feita pelo sociólogo Murad, apenas 15% foram reincidentes em atos criminosos. Agora, veja que falamos de um universo de 2,5 milhões de torcedores organizados em todo o Brasil. Um contingente cujo fator de violência tem um combustível: a ausência de política social por parte do Estado. “Na maioria dos casos ouvidos em nossas pesquisas, é comum os jovens infratores se sentirem sem perspectiva, desamparados, sem apoio familiar, sem amigos de verdade”, escreve Mauricio Murad em sua obra.
Ou seja, os números expostos aqui demonstram que o problema é complexo, intrincado e a instituição da torcida única apenas produzirá a sensação de enxugar gelo, pois a violência continuará em outro lugar e com risco de inocentes. Qual a saída? Que seja adotada uma carga menor de ingressos para a torcida visitante. Já que os órgãos competentes não tem competência para administrar 3 mil torcedores bugrinos no Majestoso e outros 3 mil pontepretanos no Brinco de Ouro, que então seja oferecido uma carga de ingressos abaixo de mil bilhetes.
Convenhamos: se em um universo de 19 mil pessoas – lotação máxima nos dois estádios – a Polícia e os órgãos de segurança não tem capacidade para administrar 500 ou 600 torcedores visitantes, não há torcida única que esconda o essencial: o estado brasileiro está falido na execução de suas atribuições.
(análise feita por Elias Aredes Junior)