Fábio Moreno é um personagem do futebol. Desempenhou todas as funções: olheiro, auxiliar técnico, coordenador e agora técnico. Está no começo de sua trajetória. Tem a responsabilidade de conduzir a Ponte Preta. Clube popular, apaixonado, de massa. Suas declarações reverberam, expandem, abalam. Não há como ignorar: a comunidade pontepretana escuta. Pode concordar ou discordar. Mas abre o espaço.
Além da vitória sobre o Botafogo, o treinador campineiro marcou outro golaço na coletiva ainda no estádio Santa Cruz. A resposta abordava o sofrimento pela perda dos nove desfalques no time titular gerados pela Covid-19. “Brigamos muito tempo por causa da vacina, uso de máscaras, não levamos as coisas como deveriam ser feitas. Nossos governantes falharam nesse sentido, e hoje pagamos o preço, conseguimos sentir na pele. Os atletas que ficaram fora, não só os atletas, mas também perdemos vários membros da comissão técnica, são pessoas que estão doentes. É preciso deixar bem claro que esses atletas e o pessoal que fica fora da partida não estão com uma gripezinha, estão doentes, precisam de acompanhamento, se sentem com o corpo debilitado”, disse.
Repito: golaço. Excetuando-se a declaração de Lisca, antes de um jogo do América Mineiro, foi o primeiro registro claro de humanidade e empatia oriunda do futebol.
Fábio Moreno emitiu palavras que demonstram consternação, inconformismo e preocupação com aquilo que acontece no seu ambiente de trabalho e com o trabalhador que batalha no cotidiano pelo seu sustento e está a mercê de um vírus letal, cujo potencial aumenta dia após dia devido a desorganização dos poderes públicos e do relaxo de jovens e pessoas fora de sintonia em relação a pandemia.
Imagine se outras personalidades da vida futebolística nacional tivessem a postura, decência e sabedoria de Fábio Moreno na abordagem do tema. Se a cada entrevista dos técnicos e dirigentes dos 12 clubes gigantes, alguém aproveitasse a chance de alertar sobre o descalabro reinante nos hospitais e postos de saúde do país. Algo aconteceria. Do mesmo jeito que ocorreu quando Roger Machado utilizou o microfone como técnico do Bahia para bradar contra o racismo.
Declarações que pedem a continuidade do futebol podem agradar os dirigentes encostados em suas salas com ar condicionados e confiantes de que terão atendimento privilegiado caso sejam acometidos da doença. Apesar das imagens dos hospitais afirmarem o contrário. Auxiliam a segurar o emprego, mas não ajudam o país. Fica longe da prática da cidadania.
Fábio Moreno nadou contra a maré. Foi corajoso. Botou a cara para bater. Merece aplausos. De pé.
(Elias Aredes Junior)