O Leicester é o novo campeão inglês. Superou os céticos, os milhões dos gigantes de Manchester, de Liverpool e do Chelsea e entrou para a história. Feito notável. Destaque nos principais veiculos de comunicação do mundo. De imediato, muitos formulam teorias sobre o que pode ser aproveitado por outras equipes de igual padrão. Podemos trazer aqui para nossa realidade: o que pode fazer com que Ponte Preta, atualmente na Série A do Brasileirão e o próprio Guarani, na Série C, possam viver um conto de fadas em curto, médio ou longo prazo?
Alguns elementos não podem ser transportados, outros com certeza. Já escrevemos neste espaço a respeito de como o time inglês poderia servir de inspiração em termos administrativos para a Macaca.
Quero aprofundar em outro elemento e que serve tanto para pontepretanos como para bugrinos: a integração com a comunidade local.
Nesta prévia antes da conquista do título, três fatos me chamaram a atenção. A primeira foi uma matéria realizada pela ESPN Brasil, no meio da torcida do Leicester, pronta a entoar vários cânticos de apoio aos jogadores, independente daquilo que ocorria no gramado. Força e apoio total ao time. Integração comovente.
Técnico homenageado pela cidade
Posteriormente, o técnico Claudio Ranieri recebeu uma homenagem dos moradores de Leicester, emocionados pelo feito da equipe e sem palavras para descrever aquele momento único que estavam para saborear. De quebra, o artilheiro Gary Lineker, hoje comentarista esportivo e torcedor assumido dos “Azuis”, fez questão de descrever a sua emoção por viver algo tão único.
Pergunta: por que esses sentimentos ficam tão aflorados apesar da constatação de que um tailandês é o proprietário da equipe? Simples: investimentos, contratações de jogadores ou melhorias no estádio e na infra-estrutura de trabalho não fizeram o investidor perder de vista que antes de tudo, a equipe pertencia a cidade e sua comunidade. Ele lida com um sentimento de aglutinação de ricos, pobres, negros, brancos, imigrantes e qualquer povo que reside em Leicester.
Sintoma de divórcio com as arquibancadas: médias de público decepcionantes
Talvez esta seja a característica que deveria ser ensinada aos dirigentes pontepretanos e bugrinos. Sim, porque como entender uma cidade de 1.2 milhão contar com uma equipe na Série A do Brasileirão e apresentar uma média de 6281 pagantes por jogo, a pior do certame de 2015? Pois é, a Macaca exibiu tal desempenho sofrível.
Como explicar então o desempenho do Guarani na Série C do ano passado, com uma média de público de 3.179 pagantes? Só para se ter uma ideia, o Londrina exibiu média de 9764 pagantes por jogo. O Vila Nova, por sua vez, terminou a terceirona com 19335 de média.
O que explica tal performance nas arquibancadas de duas equipes tão tradicionais? Contratações equivocadas? Falta de resultados no gramado? Concorrência dos times de São Paulo? Invasão das equipes estrangeiras entre crianças e adolescentes? Nada disso. A verdade nua e crua é que tanto pontepretanos como bugrinos não se sentem proprietários ou definidores dos destinos de suas equipes de coração.
A sensação de que a Ponte Preta tem um dono
Existe uma ruptura nas arquibancadas e que ninguém deseja encarar. Nos últimos anos, a Ponte Preta não foi de sua torcida ou da cidade de Campinas e sim do grupo político comandado por Sérgio Carnielli e que está no poder desde 1996. Carnielli fez muito pela Macaca? Fez e deve ser reverenciado por isso. Sempre. De modo constante.
Mas ao mesmo tempo que tomou medidas para fazer com que o clube respire e viva dignamente, ele esqueceu de fomentar dentro do torcedor pontepretano de que o clube é de todos, independente de suas posições e visões administrativas. De que é possível e urgente os sonhos das arquibancadas serem conectados com aqueles pensados no gabinete.
Exemplo: se a diretoria considera que o caminho é fazer uma administração paulatina, segura, sem loucuras para automaticamente chegar ao tão sonhado título, que esta ideia seja vendida com argumentos, ideias, conceitos e com metas estabelecidas ao torcida. Faça a torcida sonhar junto com a diretoria. Hoje, os sonhos são diferentes. O pesadelo por vezes acaba sendo inevitável.
O Guarani derrotado pela vaidade e o personalismo
O Guarani não fica atrás. Desde a disputa entre Beto Zini e Leonel Martins de Oliveira, em 1987, o personalismo tomou conta do Brinco de Ouro. Não existia mais o Guarani formado pela galera do Tobogã ou da cabeceira.
De repente, virou o “Guarani do Beto Zini”. Após 11 anos, virou o “Guarani do Lourencetti”, que foi substituido pelo Alviverde do “Leonel Martins de Oliveira” e foi sucedido por Marcelo Mingone, Álvaro Negrão e Horley Senna. Administrações personalistas e que por incrível que pareça acabaram vítimas do mesmo fenômeno: começam cercado de assessores e terminam sozinhos ou com poucos auxiliares.
Vaidades? Disputa de poder? Falta de espaço? Sim, esse aspecto conta. Muito. Só que não há como ignorar a distância dos homens que exercem o poder daqueles que estão nas arquibancadas. O bugrino se sente como o proprietário de uma casa aos pedaços que torce para o inquilino, em um ato de bondade, consertar toda a residência e lhe devolver intacta. Pior: por mais que a cada inquilino, a casa fique destruída, não há muito o que fazer.
Os desafios para o futuro
Homens querem o poder. Produz vaidade, projeção e satisfação. No entanto, o futebol é único e singular. Ele depende de pessoas, gente e sentimentos para produzir resultados e instantes inesquecíveis. Uma arquibancada que se sinta participante e integrada ao processo. Enquanto os dirigentes do futebol campineiro não aprenderem este conceito tão simples, conquistas como a do Leicester vão parecer algo impossível.
(análise feita por Elias Aredes Junior)