Tenho 49 anos. Amo futebol desde 1980. Minhas primeiras recordações são da finalíssima da Taça de Ouro entre Flamengo x Atlético Mineiro. Um confronto épico entre Zico e Reinaldo.
Na época, com sete anos, por intermédio daquela decisão de campeonato, eu recebi o estopim para que eu passasse a consumir futebol. Aquela criança cheia de trejeitos e manias também gostava de Pelé. Falava sobre ele nas ruas com amigos.
Como? De que maneira? Afinal de contas, Pelé tinha parado de jogar em 1977. Como explicar? Bem, aí temos um craque em campo chamado família, no caso, os Aredes.
Todos os anos, em dezembro, aqueles negros, que desbravaram e venceram em Campinas buscavam suas origens. O destino era Guarantã, cidade do interior de São Paulo e que na atualidade tem 6.685 habitantes, de acordo com estimativas do IBGE.
Naquele pedacinho de chão localizado a 32 quilômetros de Lins, a 79 quilômetros de Bauru e 61 quilômetros de Marília, o futebol ganhava cores vivas e magia. Pelé reinava.
Era um ritual presente nos últimos dias de cada ano. Por volta das 11h, tios e sobrinhos pegam as mangas presentes no chão do quintal da casa da “Vovó Ercília” e do “Vô Manoel”. Ao meio-dia, o almoço. Nunca contava com menos de 20 pessoas.
Depois da comilança, todos buscavam uma maneira de se acomodarem na mureta ou na cadeira posicionada na varanda e de frente para a rua.
O tema era único: futebol. E do passado. Pelé era protagonista. Os irmãos Enoch, Oady, Joel, Elias, Francisco e Nabal relembravam as vezes em que o Linense ou Noroeste recebiam visitas do Santos e em que eles eram anônimos espectadores nas arquibancadas.
As jogadas eram descritas minuciosamente. Os gols de Pelé eram reconstruídos com riqueza de detalhes. Os olhos daqueles negros calejados pelo tempo brilhavam de modo intenso. A voz ganhava entonação e força para relembrar os feitos de alguém que era gente como a gente.
Detalhe: nenhum deles era Santista. Eram vítimas de Pelé. São paulinos, corinthianos, palmeirenses, pontepretanos, bugrinos. Também existiam agregados que estavam em um processo de definição para que equipe iria entregar sua alma e seu coração. Eles contavam as peripécias de Pelé contra seus times de coração como se fosse uma dádiva, um presente dos céus.
Pense.
Reflita.
Como uma criança ou adolescente poderia ignorar tamanha enxurrada de informações e argumentos sobre alguém que ele nunca viu jogar?
Ano após ano, criou-se em minha mente um mito, uma lenda. Sempre sobre alguém inatingível e imbatível. Lembre-se que não existia Youtube, internet ou nada que estivesse ao alcance de um clique.
O tempo passou e Pelé gerou dentro daquele adolescente uma voracidade em consumir tudo sobre o eterno Camisa 10. Aguardei com expectativa a sua participação em 1987 na Copa Pelé, um torneio de masters idealizado pelo narrador Luciano do Valle. Em 1990, consumi cada minuto da sua partida em comemoração aos seus 50 anos, realizada em Milão.
Confesso que de início tive boa vontade com o governo do sociólogo Fernando Henrique Cardoso após sua nomeação para o Ministério dos Esportes. Depois, em 2004, ao assistir “Pelé Eterno”, passei a dimensionar o seu legado. Gigantesco
Com as ferramentas de reprodução de vídeo mais acessíveis nos dias atuais adotei um procedimento que uso até hoje: quando o nível do futebol atual desce ao nível do pântano, eu busco vídeos antigos de Pelé para saber como meus pais e meus tios eram felizes.
O futebol é Pelé.
Pelé é o futebol.
Eu amo o futebol sem ter presenciado a sua gênesis.
Só existe uma definição para esse enredo:
Pelé. Nunca te vi. Sempre te amei.
(texto de Elias Aredes Junior- foto de Paulo Pinto-Fotos Públicas)