Acompanho a premiação da Bola de Ouro. Todos perplexos porque Vinicius Junior não foi o vencedor. Inevitável associar a ausência do prêmio a luta encampada pelo jogador. Um negro retinto, que luta contra tudo e todos nas arenas do futebol espanhol e na Europa. Sofre com o racismo. Vence. É derrubado. Levanta-se. Triunfa. Levanta prêmios e mais prêmios. Um vacilo e a emboscada aparece. Vinicius Junior assimila as feridas. Vai em frente. Joga. Encanta. Arrebenta (no bom sentido) com os adversários. É protagonista. Talento infinito comprovado.
Não é suficiente. Ser campeão de tudo quanto é jeito parece pouco. Não basta. Vinicius Junior sofre a sina de centenas e milhares de negros talentosos existentes ao redor do mundo: ser excelente nunca é suficiente. O negro não pode errar. Não pode falhar. Mesmo que não seja culpado. Não joga bem na Seleção Brasileira? Ninguém cobra ou se importa com o trabalho do treinador. A culpa é de Vinicius Junior.
Os apressados afirmam que ele não jogou para merecer o prêmio. Rebato: quantas vezes Messi e Cristiano Ronaldo venceram o prêmio e não mereceram? Sim, essas oportunidades existiram. Ganharam e venceram pelo nome e retrospecto (espetacular!) construído no gramado. Eles podem. Têm direito. Por quê? Simples: são brancos. É indigesto, amargo, mas é a verdade.
A perda do prêmio tem um sentido maior do que alguns pensam e imaginam. Reflita: a escolha é feita por um júri composto por jornalistas especializados dos 100 países. Estas nações ocupam as primeiras posições no ranking da Fifa. Os eleitores recebem uma lista com 30 nomes, definida por membros da redação do “L’Équipe” e embaixadores da UEFA. No futebol masculino, o embaixador é Luís Figo no troféu masculino. Cada jurado precisa selecionar 10 desses 30 jogadores selecionados. Sua missão é fazer um ranking de acordo com seu desempenho. O primeiro colocado de cada eleitor ganha 15 pontos, e os seguintes 12, 10, 8, 7, 5, 4, 3, 2 e 1, respectivamente. O atleta que tiver a maior pontuação leva a Bola de Ouro. É duro aceitar, mas não vislumbraram o futebol de excelência de Vinicius Junior no principal time do planeta. Rodri então não mereceu? Não chego a este ponto. Mas Vinicius Junior merecia muito mais pelo conjunto da obra, pois atua com excelência há pelo menos três anos. Não é pouco.
Peço que me perdoem a franqueza, mas uma pessoa branca, jamais sentirá a dor de uma pessoa negra pensar que, por mais que tenha talento, dedicação, disciplina, entrega e força, isso seja insuficiente para atingir o topo. Uma força invisível, um bloqueio sem forma e devastador impede que se alcance o olimpo. É preciso sofrer calado, sem reação. Alguns dizem que faltou meritocracia. Prefiro pensar que, infelizmente, o preconceito estrutural forma corações e mentes. Mais do que se imagina.
Não, o prêmio não seria uma recompensa para um atleta que luta abertamente contra o racismo. Seria, antes de tudo, a premiação para um jogador de talento puro, que orgulha cada brasileiro quando tem a bola no pé. Um homem que decidiu ser não somente um jogador de futebol e sim um cidadão. Que tem deveres no gramado e cumpre com louvor. Mas sabe de seus direitos. E luta por eles.
O direito de celebrar o talento, negado a Vinicius Junior, é o mesmo enfrentado há anos por personagens como Roger Machado, um treinador estudioso, inteligente, culto e que, encara todos os dias a barreira do racismo que impede sua progressão e reconhecimento. Racismo estrutural na veia. Enquanto isso, muitos de nós, cronistas esportivos, consideramos que a melhor saída é não falar sobre o racismo. Gol contra de cidadania.
Fernando Calazans, cronista esportivo de fina estirpe, dizia sempre que, se Zico não foi campeão da Copa do Mundo, azar do Mundo de Futebol. Dizer que se a Fifa não premiou Vinicius Junior azar para a Fifa é pouco.
É triste e dilacerante, perceber que negros, em todas as áreas, lidam com a frustração, apesar de apresentarem a perfeição como prato principal. Meu consolo e alegria é saber que, com Vinicius Junior, pode ser diferente. Ele pode cair. Ser derrubado por mais uma armadilha da vida. Vai se levantar. E vencer. No Real Madrid e na Seleção Brasileira. Em qualquer campo do planeta. Nunca desdenhe de quem nasceu para lutar e vencer.
(Elias Aredes Junior-Lucas Figueiredo-CBF)