Guarani, Covid-19 e jogo em Cuiabá: um roteiro para confirmar uma problema crônico chamado futebol brasileiro

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O dia 14 de janeiro ficará marcado. Um dia de infâmia para o futebol brasileiro. O placar de 4 a 0 do Cuiabá sobre o Guarani não traduz o roteiro de terror que foi desenvolvido antes do confronto válido pela Série B do Campeonato Brasileiro.

Ao finalizar os exames de rotina antes da bola rolar na Arena Pantanal, a contabilidade bugrina ficou tenebrosa. Nada menos que 17 jogadores ficariam afastados por, no mínimo, 10 dias. Bidu, Renanzinho, Bruno Silva, Gabriel Mesquita, Jefferson Paulino, Lucas Crispim, Victor Ramon, Waguininho, Walber, Deivid, Mateus Ludke, Caio, Rafael Pin, Bruno Bianconi, Matheus Souza, Giovanni e Tití. Um baque. Mais do que jogadores, cidadãos expostos a um vírus traiçoeiro.

Uma guerra de versões ficou instalada nos bastidores. O Guarani queria o adiamento do jogo. Aproximadamente às 16h15 de quinta-feira, dia 14, parecia que o objetivo tinha sido alcançado, pois a CBF estava prestes a anunciar a transferência do duelo para o dia seguinte, ás 19h15.

Minutos depois, a reviravolta: o duelo aconteceria. De qualquer jeito. O Guarani sugeriu a transferência da partida para o  dia 27, antes da rodada final do dia 30 de janeiro. A CBF alegou falta de datas. O protocolo estabelece que com 13 jogadores saudáveis e disponíveis a equipe deve entrar em campo.

A saga de Lucas Abreu

A delegação do Guarani tinha 12 jogadores. Em esquema de emergência, o volante Lucas Abreu saiu do Aeroporto de Viracopos às 18h36 e se dirigiu para Cuiabá.

Chegou a tempo para viabilizar o jogo. Não, não foi um jogo. Foi um espetáculo deprimente, em que jogadores profissionais do Guarani com toda força e dignidade tentavam evitar o inevitável.

Derrota por 4 a 0 e uma cena assustadora no final. O lateral-esquerdo Erick Daltro, recém- recuperado de Covid teve um mal estar e foi flagrado pelas câmeras de televisão.

Os jogadores não mereciam isso. Os integrantes da comissão não deviam ser submetidos a tal espetáculo movido pela ganância tudo isso com o beneplácito da CBF.

A torcida do Guarani não merecia ver a sua camisa virar alvo de um massacre moldado em cima da negligência e da absoluta falta de sensibilidade dos envolvidos na indústria do futebol, tudo capitaneado pela CBF.

O protocolo da CBF tem que ser revisto. Urgente. Dizer que ele preserva a saúde dos atletas é uma falácia. Basta recordar o drama vivido pelo Flamengo contra o Palmeiras em São Paulo no Brasileirão.

Solidariedade e cobrança

Se torcedores, jogadores, integrantes da comissão técnica e funcionários merecem receber toda solidariedade possível, o mesmo não se aplica aos integrantes do Conselho de Administração. Não por aquilo que ocorreu na quinta-feira, mas pelo fato de que o pedido de socorro dos integrantes do Conselho de Administração, comandado por Ricardo Moisés,  escancarou uma incoerência em relação ao passado.

O  dérbi disputado no dia 16 de março, no Brinco de Ouro e vencido pelo Guarani por 3 a 2, só foi realizado com portões fechados graças a intervenção do ministério público e das autoridades públicas locais. Até o último minuto, a diretoria do Guarani lutou para que o dérbi fosse realizado com estádio lotado.

Em entrevista coletiva realizada no dia 14 de março do ano passado, o presidente do Alviverde, Ricardo Moisés, escancarava a sua postura de minimizar o impacto da pandemia. “O Guarani não concorda com a decisão do secretário de Saúde, acha uma atitude precipitada, e toda a torcida do Guarani já comunicou que estará no portão do jogo. Teremos concentração de mais de 10 mil bugrinos, o que vai gerar um grande receio de segurança pública. É ruim para a cidade, para o Guarani. Enquanto o secretário tinha de abraçar o maior evento esportivo da cidade, mesmo sem transmissão na cidade, decidiu com portão fechado. O Guarani não concorda e recorrerá ao poder judiciário para que a torcida do Guarani compareça”, afirmou na ocasião.

Uma tragédia evitada

O Ministério Público local evitou que o Brinco de Ouro se transformasse em uma nova versão do estádio do estádio San Siro, que no dia 23 de fevereiro recebeu o jogo entre Atalanta e Valência pela Liga dos Campeões, que recebeu 40 mil torcedores oriundos de Bérgamo, que dias depois virou o epicentro da pandemia na Itália. Em Campinas a bomba biológica foi desarmada.

Revisitar tais fatos e personagens teve uma utilidade: reforçar a conclusão de que o futebol brasileiro e seus dirigentes são alimentados pela incompetência e insensibilidade. Contra o vírus uma vacina já está a caminho. Já em relação aos dirigentes e aos vícios do futebol brasileiro, nem isolamento social resolve.

(Elias Aredes Junior)