Não existe brasileiro que não saia impactado após assistir aos quatro capítulos do documentário “Doutor Castor”, em veiculação na plataforma Globoplay. Um mosaico do Brasil transmitido de forma nua e crua. Uma prova de que os principais personagens são contraditórios. Getúlio Vargas é o pai dos pobres que desempenhou o papel de um ditador sanguinário e por vezes sem escrúpulos.
Carlos Lacerda é o golpista de primeira hora, determinado a derrubar Getulio e JK e que apoiou o golpe de 1964 e que entrou para a história como um dos principais governadores da história da Guanabara. Castor de Andrade é mais um exemplar. Com uma diferença: utilizou o jogo do bicho, o futebol e o carnaval para construir suas benesses e seus atos de crueldade, conforme mostra o noticiário.
Existe um ponto que incomoda. Muito. É a banalização do mal. Em todas as declarações e entrevistas, a ressalva aparecia: “Castor pode ter feito isso, mas…”, “Se ele fez algo de ruim eu não quero saber”, entre outros conceitos emitidos. É como se de repente o fato de investir no Bangu, na Mocidade de Padre Miguel e empregado informalmente milhares no jogo do bicho fosse argumento para absolve-lo de vários pecados. Inclusive de acusações pesadas. Castor de Andrade soube administrar essa incoerência social muito bem. Saiu com espirito de herói e a sua vilania foi bem atenuada. Apesar da determinação da juíza Denise Frossard.
É algo que acontece no dia a dia. Essa banalização do mal está refletida em fatos corriqueiros. É cara considerado gente boa na mesa de bar mas capaz de puxar o tapete do companheiro de trabalho; é o chefe incompetente que desempenha papel de “parceiro” mas no minuto seguinte trama para derrubar quem lhe incomoda.
É aquele que abraça o amigo negro e repudia qualquer reclamação sobre racismo ou discriminação racial.
No futebol, então nem se fala. Alguns prometem mudar tudo quando entrarem no futebol, mas ao cometerem seus pecados são os primeiros a dizer: “Sempre foi assim?”.
É o pai que promete dar educação ao filho e ao descobrir de sua orientação sexual bota para fora de casa e ainda se acha certo; é o líder religioso que se mostra aberto ao diálogo, mas também utiliza uma visão tacanha e cruel para perseguir nos espaços eclesiásticos tudo aquilo que estiver encaixado no seu padrão.
Os exemplos são infinitos. E todo mundo fez isso na vida. Somos um povo conivente. Não aceitamos que podemos nos encontrar-se sujeitos a punições se tivermos deslizes éticos, morais ou até criminais. Tudo deve ser absolvido, contemporizado, assimilado.
No fundo, fundo, todos nós temos um pouco de Castor de Andrade. Só não temos coragem de admitir. Um dia muda.
(Elias Aredes Junior)