Interessante como nossas relações são construidas no futebol. Amor e ódio. Paixão e razão. Delirio e depressão. Os sentimentos são produzidos em questão de minutos ou segundos. Basta uma vitória para que herois sejam construídos. Uma derrota produz vilões inesquecíveis.
A Ponte Preta é um modelo acabado deste mosaico dos gramados brasileiros. Pergunte a qualquer pontepretano e todos vão falar na ponta da lingua que Dicá é o maior jogador da história do clube. Faltas bem batidas, futebol de rara beleza plástica e pouquissimas derrotas em derbis. Para alguns, somente a sua atuação no jogo contra o Corinthians, no segundo jogo da final do Paulistão de 1977 seria motivo para idolatria.
E o caso do técnico Jorginho Campos? Poucos se lembram, mas ele foi o treinador que caiu com o time no Brasileirão de 2013. Mas o que é um rebaixamento diante da possibilidade de conquistar a Copa Sul-Americana? Perdeu o titulo, mas o vice-campeonato foi o suficiente para sequestrar para sempre o coração de muitos pontepretanos.
Gilson Kleina hoje está no Brusque mas o seu nome estará guardado para sempre na história da Ponte Preta. Condutor do acesso em 2011, vice-campeão paulista em 2017 e comandante na Série B de 2021, em que a permanência teve gosto de titulo. Fracassou em alguns momentos?
É verdade. O seu legado positivo é maior e permanece. Assim como de Guto Ferreira, vice campeão da Série B de 2014 e com boa participação no Brasileirão de 2015. Seu fã clube permanece intacto até hoje.
É verdade que a história pontepretana é implacável com aqueles que falharam em instantes decisivos na história do clube. Nos bastidores, dirigentes e técnicos que participaram dos rebaixamentos no Campeonato Paulista de 1987 e nos Brasileirões de 2006, 2013 e 2017 tem uma divida quase que impagável com a torcida pontepretana.
Assim como os jogadores. Até hoje, o ex-zagueiro Rodrigo está estigmatizado pelo seu rendimento na derrota para o Vitória em 2017 e que na prática decretou a queda da Alvinegra naquele ano. É verdade que Dedé ficou em maus lencóis após os erros que culminaram com a queda para a Série A-2.
Considero que, por pior que tenha sido o erro esportivo de qualquer jogador, crucificá-lo é um erro coletivo, um procedimento ocorrido no futebol que beira a era medieval. É, é isso que você entendeu. Por isso que tenha sido as falhas deles no gramado, nem Rodrigo ou Dedé merecem tal consideração e condenação por parte da torcida da Ponte Preta. Mas o futebol por vezes não há espaço para clemência ou absolvição. É preciso encontrar um vilão. Custe o que custar.
Qual será o destino de Hélio dos Anjos? Herói ou vilão? Sim, porque o que se viu nas redes sociais após a derrota para a Chapecoense foi algo de se assustar. Ter escalado Thiago Oliveira, Jean Carlo e Barcia ficou equivalente a uma sentença de morte ao treinador. É desconexo, não tem sentido.
Especialmente porque se verifica que algumas horas antes, após vencer o Bahia por 2 a 0 muitos diziam que o futebol exibido pela Ponte Preta era fino de trato. E quando venceu o Vasco da Gama? E quando bateu o rival Guarani? Queria entender e compreender, mas não consigo aceitar que no mesmo filme alguém seja o Homem de Ferro ou Thor e de repente vire Thanus, o vilão cruel e que deve ser exterminado.
Você pode alegar que o torcedor é passional e esses sentimentos são normais. Não aceito essa explicação. Se fosse há 15 ou 20 anos seria até aceitável. Mas hoje qualquer torcedor tem a sua disposição uma tonelada de informações e análise que pode muito bem fazer com que ele chegue a conclusões que lhe façam entender o contexto das vitórias, empates e derrotas.
Ao falar sobre a Ponte Preta, basta fazer uma análise. Simples. Vitória contra o Vasco no Majestoso e três dias depois o time não anda contra o Brusque. Derrota. Tem uma semana para se preparar parao dérbi e vence. Ganha do Bahia e três dias depois joga contra a Chapecoense. Novo rendimento ruim na parte física e derrota. Será que é tudo coincindência? Tudo obra do destino?
Nada disso. É obra gerada a partir das caracteristicas do elenco. E Hélio já transmitiu tais informações. Mas como diz o sucesso do Paralamas do Sucesso, ninguém quis escutar. Ninguém.
Hélio dos Anjos não faz promessas. Nunca disse que tudo iria mudar. Tudo que ele disse basicamente era que estar ao lado da torcida bastaria. Tudo que ele queria. Ele só pediu que não fosse abandonado. Infelizmente, quando o assunto é treinador de futebol, fidelidade não é algo presente na torcida. Em qualquer torcida. O jeito é torcer para a paixão ressurgir na próxima rodada.
(Elias Aredes Junior-com foto de Diego Almeida-Pontepress)