Em determinadas ocasiões é preciso ir na veia, tocar na ferida, exibir a contundência que o momento exibe. Nos últimos tempos, a imprensa esportiva campineira foi invadida por um espiral inaceitável de violência contra si. Ameaças verbais ou até físicas fizeram parte de um cardápio macabro. O mote principal é cercear o direito ao trabalho do profissional de Comunicação. Estabelecer aquilo que deve ser dito ou não. Se não concordar o caminho escolhido não é a da argumentação e sim da intimidação.
Precisamos estabelecer que existem dois grupos. Um é formado por jornalistas que falam, argumentam, protestam e se manifestam contra este estado de coisas. Outro agrupamento infelizmente é formado por gente que prefere se acovardar. Jogar os próprios companheiros aos leões. Tudo em nome de uma concorrência profissional tacanha e sem sentido.
Passei por tais situações. Por causa de uma matéria fundamentada publicada quando estava no Jornal Tododia eu fui colocado para fora da cobertura do Guarani. Um ano. Continuei a cobrir, fiscalizar e abordar os assuntos mais importantes para o torcedor consciente do Guarani.
No passado recente, infelizmente, alguns companheiros sofreram com reações violentas e desmedidas. Como o jornalista Téo Taveira, que no exercício de sua profissão foi agredido por torcedores pontepretanos. Inadmissível. Inaceitável. Carlos Cereto também foi impedido de trabalhar na Ponte Preta no final da década de 1990. Seu equipamento foi jogado na rua. Deu noticia que não correspondia a verdade? Processe, peça direito de resposta. Nunca abrace a retaliação. A liberdade de imprensa é um ativo inalienável. Deve ser preservado. Sempre.
A foice da censura, da pressão contra a liberdade de imprensa voltou a surgir. Fiz uma pergunta na coletiva de apresentação do atacante Elias Carioca no Guarani e meu celular foi invadido por ameaças de torcedores anônimos. Inclusive contra meus familiares.
Nesta quinta-feira, no programa “Os Donos da Bola”, da Rádio Bandeirantes, o apresentador Julio Nascimento precisou dirigir-se a parte dos torcedores bugrinos, que no alto de um delírio coletivo, acreditou que o jornalista desdenhou da instituição. Repito: delírio.
Uma sociedade entorpecida pela violência
Antes de propor uma solução é preciso entender as causas deste espiral de violência. Por que isso aconteceu? Qual o motivo? Existem fatores inerentes ao mundo do futebol e outros presentes na sociedade. No que se refere a realidade brasileira, é dito e notório que vivemos uma época em que todos consideram salutar resolver tudo na bala. Ou na base do autoritarismo. É melhor quem grita mais alto, quem é mais estúpido ou quem aciona o primeiro o gatilho. Acreditam que o país será consertado se o Brasil virar um ringue, em quem quem pensa diferente ou fala aquilo que não agrada merece apenas uma sentença: tiro. Silêncio. Morte. Eliminação. Não exagero. Quem acompanha o noticiário sabe do que digo.
Ou seja, as reações de torcedores bugrinos e pontepretanos contra profissionais de imprensa é reflexo de uma sociedade doente, sem nexo, incapaz de exibir empatia pelo semelhante. Instituições, calcadas na lei e no direito, são ignoradas. O celular é o revolver. As palavras torpes a munição.
Ok? Nem tanto. Existem outros dois componentes que colaboraram para um fenômeno em vigor em parte das duas torcidas, que é o da processo de infantilização. Neste quesito dois personagens são emblemáticos: dirigentes e nós, cronistas esportivos.
Crônica Esportiva
Respeito quem pensa diferente, mas o jornalista esportivo mais importante para a formação do torcedor campineiro foi Brasil de Oliveira. Conhecedor do jogo da bola e dos bastidores, por anos e anos, Brasa utilizou o seu espaço no Jornal da Tarde, na Agência Estado e nas rádios Educadora e Central para formar o torcedor campineiro. Explicar o jogo. Decupar a capacidade de cada atleta. E tinha nos apresentadores e parceiros de jornada, o contraponto ideal para efetuar a cobrança de fatos nos bastidores. E foi com essa receita que ele formou milhares e milhares de jovens bugrinos e pontepretanos. Gente hoje com 30 ou 40 anos e que na atualidade se constituem a massa crítica e da formação de opinião das duas torcidas. Se os dois times estão de pé, devem agradecer a esses torcedores conscientes. E ao Brasa.
E hoje? Regredimos. Muito. Um dos motivos é que temos uma guerra surda e interna dentro da crônica esportiva campineira. São duas alas: uma é formada por profissionais que querem e desejam saber os bastidores dos clubes – no qual faz parte o Só Dérbi e a equipe de esportes da Rádio Brasil, da qual faço parte – e uma outra tropa formada por gente que só quer falar de bola, ignora os bastidores e pior: não tem a mínima vontade de debater os meandros do futebol na sociedade. Pode ser ótimo para buscar agradar todo mundo. Mas é péssimo para quem utiliza o jornalismo como ferramenta de transformação social.
Resultado: os torcedores que escolhem o segundo grupo estão presos a um passado remoto de vitórias e se recusam a encarar os fatos. Abraçam o noticiário feito para falar tudo de modo superficial. Sem debater. Sem cobrar. Cria-se uma bolha. Uma ilha da Fantasia, detentora de doses homeopáticas de morfina a cada vitória da equipe de plantão.
Fruto colhido: uma parte (uma parte!) das duas torcidas infantilizadas, dotadas de conceitos rasos de futebol viram o alicerce para que os torcedores violentos espalhem o terror pelas ruas e pelos celulares de profissionais de imprensa que apenas desejam fazer o seu trabalho. É uma ditadura de opinião com saco de pipoca e espirito circense.
Dirigentes
Vivemos uma crise profunda de gestão. Nos dois clubes. Apesar do Guarani encontrar-se fora da divisão de elite desde 2010 e a Macaca desde 2017, seus dirigentes forçam a barra na tentativa de vender um mundo de Alice. Não há defeitos. Todos são ótimos. Neste caso, a estratégia da alienação é tomada em dois caminhos. O inicial é a de utilizar os canais oficiais do clube para criar uma realidade paralela. E que muitas vezes transforma a imprensa em inimiga. Não pode ocorrer comentários contrários. E se ocorrer os dirigentes sabem: o batalhão de torcedores violentos nos gestos e nas palavras está pronto para intimidar. Mesmo que indiretamente.
O fato é que nós jornalistas, como torcedores e dirigentes do futebol campineiro precisamos melhorar. Muito. O relógio da bola avança, a ciência da esporte dá suas cartas, a profissionalização é cada vez maior e ainda estamos presos ao passado vivido nas décadas de 1970, 1980, 1990.
Não será um xingamento pelo celular ou uma emboscada inconsequente que fará a Ponte Preta virar o Barcelona e que o Guarani transforme-se no Real Madrid. Sem amadurecimento, democracia e ideias antenadas com os novos tempos seremos todos apenas uma multidão perdida no deserto. E sem Moisés para trilhar o caminho.
(Artigo de autoria de Elias Aredes Junior- Jornalista Responsável pelo Só Dérbi)