Carta dos jogadores da Seleção Brasileira: de quem devemos exigir alto grau de politização? De quem pode dar é claro!

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Quando estudava na escola localizada no Jardim Amazonas, bairro de classe média baixa em Campinas, o Marcelo era o agitador mor. Na saída, ele instigava as brigas e discussões. Falava em alto e bom aquelas frases que todo mundo já ouviu: “Nossa, vai deixar barato?”, “Oia, não deixava hein”.

Se a briga ficasse em alta temperatura, era risada para tudo quanto é lado. E ele ia embora satisfeito. Se não ficasse do jeito que ele imaginava, a cara amarrada ditava o tom do passo.

Lembro deste episódio ao verificar as reações nas redes sociais a respeito da carta publicada pelos jogadores da Seleção Brasileira.

Peço desculpas pela sinceridade mas ninguém queria posicionamento nenhum. Queria ver sangue. Algo comum nestes dias turbulentos que vivemos.

Se eles decidissem boicotar a Copa América a turma da extrema direita iria descer o cacete e condená-los ao ostracismo; se resolvesse não criticar sequer a organização da Copa America, a militância de esquerda seria ávida por vingança. Você pode dizer que o texto atual é comprar briga e decepção dos dois lados.

Pois eu digo que o texto era o possível. Não pela conjuntura mas por eles serem o que são.

Vamos começar de cara: essa atual Seleção Brasileira não tem nenhum Reinaldo, Afonsinho, Sócrates, Paulo César Caju ou um Rogério Ceni. Não estamos na década de 1970 ou 1980, em que posições politicas, seja de direita ou esquerda, era algo assimilado.

Os jogadores atuais foram ensinados a viverem em uma bolha. Com funcionários para lhes servirem. Sem conexão com o Brasil real, suas angústias e problemas.

Pegue a atual lista de convocados. Excetuando-se Richarlison (esse sim, consciente e politizado), quais desses jogadores fazem um posicionamento costumeiro e constante em relação a questões que fogem a alçada de disputa política? Digo sobre Racismo, machismo,homofobia, desigualdade de renda, performance dos governantes…Quem? Quando? Quantas vezes? Pode ter sido registrada uma manifestação aqui e ali. Mas a rotina é silêncio, jogos no gramado, dinheiro,riqueza, status, redes sociais, vídeo game e negócios. Esse é o cardápio.

Bem, eis que o presidente da CBF é acusado de umas estripulias, a Copa América muda de lugar e eles não são avisados. O técnico fica em posição desconfortável e eles resolvem se unir contra esse estado de coisas. E eles decidem: vão se posicionar. Escrever um texto, com mínimo de densidade e com explicações a opinião pública. A carta foi publicada e confesso que não fique espantado. Por que? A gente só pode exigir conceitos profundos de quem pode fornecer.

Ora, pedir alto grau de politização e posicionamento desses jogadores é um disparate. Até porque o processo de politização e de enriquecimento cultural não é algo que aparece do dia para a noite. A pessoa precisa querer. Estudar. Ler. Acompanhar o noticiário. Envolver-se nos temas. Desenvolver raciocínios. Eu  garanto: dá trabalho. Muito. E o resultado não ocorre da noite para o dia. Agora todo mundo exige que esses atletas virem especialistas em Karl Marx, Engels, Locke em questão de horas. É para acabar.

O que considero interessante é que boa parte da cobrança vem de uma classe notoriamente conhecida por portar o status da alienação e do repúdio a política: os cronistas esportistos. Muitos falam 15 idiomas, viajam os quatro cantos do mundo, conhecem mil esportes e são incapazes de estudar e se aprofundar naquilo que acontece na CPI da Covid. Ou como profissional de comunicação acompanhar o trabalho da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

Não fazem nada disso. Renunciam a qualquer pedaço de exercício de cidadania.

Mas agora estufam o peito para pedirem coragem, destemor e alto grau de politização dos jogadores da Seleção Brasileira.

O Brasil nada mais é do que a reunião de bando de adolescentes loucos para fustigar a briga do amiguinho de sala de aula. Somos incompetentes para assumirmos nossa responsabilidade enquanto integrantes de uma sociedade complexa. Procuramos culpados.

Pobres meninos ricos da Seleção Brasileira. Pagaram o pato por estarem inseridos em uma sociedade cada vez doente.

(Elias Aredes Junior)

 

A íntegra da carta está aqui: